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sábado, julho 08, 2017

Palmério Dória 5: Matinês do cinema Olímpia


Perfeição era o cinema. Os fundos do cine Olímpia davam para minha casa. A tela ficava praticamente colada na parede da sala em que eu dormia, geralmente ouvindo os sons dos filmes, os diálogos ininteligíveis, a trilha sonora, os tiroteios...

Para encontrar Super-Homem, Rocky Lane, Tarzan e Hopalong Cassidy, bastava descer a minha rua e dobrar a esquina. Pagar eu não pagava, era xodó do seu Loureiro, dono do cinema, uma das figuras mais benignas do mundo. Ali, a cortina do espetáculo se abria com um toque suave da orquestra de Glenn Miller.

Se existia uma realidade era aquela. Tá certo que os chapéus dos mocinhos e bandidos não caíam nunca, mesmo na maior pancadaria, mas os óculos do pessoal do Matrix também não caem até hoje.

Eu brincava quase todas as tardes no palco do cinema. Podia levar meus amigos e tudo. Como eu dizia, a realidade era o Super-Homem em pleno voo. O que me impedia de fazer o mesmo? Botei uma toalha nas costas, amarrei as pontas no pescoço, tomei distância no fundo do palco, arremessei e aterrissei nas cadeiras da primeira fila da plateia. Uma aterrissagem forçada coroada com dez pontos no supercílio.

Era melhor encontrar um herói com os pés no chão. Ou pelo menos pendurado num cipó. Tarzan! Incorporava Johnny Weissmuller quase todo fim de tarde num igarapé de águas glaciais. Enquanto meu pai tomava as lambadas dele, eu atravessava num cipó o Uirurá, de uma margem a outra – noite alta, céu risonho, as bacantes tomavam porres homéricos nas margens do mesmo igarapé, onde hoje existe um seminário.

Para compor o personagem, mamãe cortou pra mim, na máquina Singer, uma autêntica tanga de couro de onça, que eu só tirava para dormir.

Depois, Esther Williams incendiou a minha imaginação. Passei a desejar todas as piscinas do mundo ao vê-la. Lânguida, bonita e gostosa, eletrizava a minha infância em shows aquáticos em plena Hollywood dos anos 40 e 50.

Eu desejava nadar com ela naquela piscina enorme, aristocrática, de mármore alvo do Copacabana Palace, com sheiks, reis, artistas, o mundo dando braçadas de prazer em frente ao mar estonteante de Copacabana bem perto de mim, sentado na pérgula do grande hotel, lendo as páginas de O Cruzeiro, que chegava na Pérola do Tapajós com mil semanas de atraso.

Volúvel, troquei Esther Williams por Minnie Mouse. Não me apaixonei por ela no telão, mas nas histórias em quadrinhos que eu lia na sala de projeção do cinema, naquelas tardes mornas, pegando carona na coleção do operador. E também não era aquela Minnie Mouse em roupas convencionais, mas a super-heroína voadora, de cinturinha fina, cintura de pilão.

Minnie Mouse era a minha favorita, mas estavam todas lá com seus respectivos namorados: Flash Gordon e Dale Arden, Tarzan e Jane, Fantasma e Diana Palmer, Mandrake e Princesa Narda, Super-Homem e Mirian Lane, Pato Donald e Margarida, Zorro e... Tonto.

O gap entre as gerações acabou em O Cangaceiro. Se nunca houve mulher como Gilda, nunca houve filme como esse de Lima Barreto. Toda noite era noite de ver o bangue-bangue do agreste.

De ver Milton Ribeiro lustrar os anéis – um em cada dedo – na camisa, depois de uma estilosa bafada neles. De torcer por Alberto Ruschel. De morrer de amor por Marisa Prado. De morrer de raiva da Vanja Orico. Vi O Cangaceiro umas trinta vezes, teve gente que viu muito mais. Toda vez que o caixa do seu Loureiro fazia água, o filho dele Raul dizia:

– Papai, passe de novo O Cangaceiro!

Na condição de filho do dono do Olímpia, Raulzinho protagonizou um casamento cinematográfico. De uma dessas viagens ao Rio, para garantir o nosso estoque de emoções e gargalhadas – puxadas principalmente pela dupla Oscarito e Grande Otelo, mais José Lewgoy, Eliana, Anselmo Duarte e Ankito de Caroço –, voltou com uma noiva, uma coisa de cinema, tornando-se o homem mais invejado da cidade.

Alta, clara, cabelos fartos, negros e compridos, olhos imensos, decotes abissais nos vestidos geralmente de cetim negro, muito parecida com a Jessica Rabit e a Drag Car. Além de tudo, encarnava tudo aquilo que se entendia como espírito carioca.

Adorava promover seresta no sobrado deles. Os convidados exultavam. Cada qual se esmerava na cantoria. No fundo, todos a cantavam.

No meio de uma seresta lá, a hostess pediu que seu Uchoa, que tinha quase 1 metro e 90, tirasse uma mala de cima do guarda-roupa no quarto do casal, com fotos dela no Rio, para mostrar aos convidados.

Quando se viu a sós com Laura, o pau de seu Uchoa ganhou vida própria. Enquanto erguia os braços para pegar a mala, notou um volume que ameaçava explodir a braguilha. Além do que, a calça era folgada demais e a cueca samba-canção não oferecia a menor resistência.

Passou a suar profusamente, temendo que Laura percebesse e o tomasse por um sátiro. Chegou a imaginar Laura:

1. abrindo sôfrega os botões de sua braguilha e caindo de boca;

2. saindo aos berros, gritando: “Tarado! Tarado!”;

3. e perguntando: “Todo negro tem pau grande?”.

Mas tomou uma decisão radical: deixou a pesada mala desabar em seus pés, numa autêntica cena de Carlitos. Saiu dessa com um dedo fraturado, mas com uma bitoca agradecida de Laura. Pelo sim, pelo não, comparecia agora às serestas usando suporte atlético.

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