O eterno goleiro Castilho, que morreu de amor
Em Belém, saiu na
Província: “O Encontro com os Índios Brancos”, que não eram brancos coisa
nenhuma, apenas uma tribo que vivia em mata fechada. De qualquer forma devem
restar poucos para contar a história.
Como eu ia dizendo,
essa matéria fechou um ciclo. Desde a vinda de Castilho, tive uma idéia clara
do que não era um goleiro.
Quer dizer: com essa altura,
com essas mãos, mesmo com toda a dedicação do mundo, eu nunca seria um
Castilho, nem sendo filho de goleiro e sobrinho de outros dois.
Como não podia ser
como meu herói, tornei-me o embusteiro mental que sou até hoje.
Além disso, Lúcia não
ligava a mínima para futebol, mas gostava da minha porção repórter. Então
passei a me dedicar a isso, cobrir enchente no Amazonas, fazer uma edição
especial sobre o Pará junto com o Lúcio Flávio para o Liberal de Rômulo
Maiorana, que tomava o lugar da Folha do Norte, esvaziada pela ditadura,
entrevistar celebridades que chegavam a Belém, como a ator Paulo Autran, que
levou Morte e Vida Severina no Teatro
da Paz.
Nessa entrevista,
Paulo Autran quase se desfez em suor. Primeiro, o ar-condicionado do hotel
Vanja levou uma surra do calor, e ele pediu pra gente continuar o papo no
quarto dele.
Mesmo com a
temperatura mínima, sentado na cama ao meu lado, o ator não parava de suar, a
roupa branca toda empapada. Volta e meia parecia perder o fio da meada e eu era
obrigado a fazer uma pausa.
Paulo Autran olhava
para um ponto fixo através da janela fechada, quem sabe pensando na morte da
bezerra no sertão nordestino, tocava na minha perna, e retomava a conversa do
ponto em que a deixara.
Não, o calor não
derrotou o deus que dormiu na casa de Tônia Carrero. E ele deu uma boa
entrevista.
Um dia veio a
transferência do pai de Lúcia, e o céu desabou de novo sobre a minha cabeça. Só
encontrei um mínimo de paz quando mudei para o Rio, com a firme decisão de me
casar com ela.
Lúcia trabalhava o dia
todo, eu bundava todo dia na praia ou ouvindo jazz no apartamento do jornalista
José Gorayeb, que me hospedava a pedido de Ápio Campos, de quem também foi
pupilo, para depois namorar no apartamento dos pais dele, na rua Gastão Bahiana,
em Copacabana.
Na bica de passar
fome, mudei para São Paulo, atrás de trabalho. Primeiro, numa república com
umas oitos pessoas no bairro de Santa Cecília, na rua Canuto do Val, atrás do
cursinho Equipe, o mais politizado da cidade, onde Serginho Groisman já fazia a
festa.
Logo nos primeiros
dias, desci pra tomar um café. Sem documentos, fui preso num arrastão policial.
Na delegacia, um soldado me tacou a mão na bunda várias vezes, enquanto
esperava na fila, porque reagi na hora da detenção:
– E aí, vai cantar de
galo?
Além do meu velho
amigo Lúcio Flávio, entre oito machos daquele fraterno pulguerio estava o
historiador Joel Rufino dos Santos, guru dos professores de cursinho, um dos
criadores da História Nova, da
Civilização Brasileira.
O assunto era
Marighela, Lamarca, luta armada, quem caiu, quem desapareceu, quem foi
torturado e... garotas. Ficava espantado quando meus colegas recebiam suas
namoradas, especialmente o Aurélio – cujo apetite parecia insaciável –, meninas
de alta fidúcia, só de cueca naquele antro. Longe delas, eu perguntava:
– E elas fodem? –
fazendo o clássico gesto com a mão.
Todo fim de semana
pegava um ônibus da Cometa para ver a Lúcia no Rio. Quando a encontrava, no
apartamento dos pais dela, apertava-a contra o meu peito e chorava de saudade.
Depois rolava tudo,
menos transa: na sala, no corredor, na escadaria de serviço nas vindas da praia
de Copacabana. Enquanto isso, em São Paulo, os meus amigos viviam a revolução
sexual.
Um dia, ela me chamou
pra real. Nosso amor não ia dar pé, ainda mais com a flecha negra do ciúme que
me afligia. Saí vagando por Copacabana pensando em me matar.
Devo ter tentado. Mas
os carros que circulavam de madrugada não aceitaram a minha provocação. Passei
meses e meses assim, atarantado, me sentindo um pneu furado. Trilha sonora para
essa dor-de-cotovelo, maestro!
Calado, sofrimento
passei,
Calado, a ninguém
reclamei,
Direito, com a alma
lutei pra vencer,
Venci, consegui
esquecer,
Em silêncio eu chorei
noite e dia,
Minhas lágrimas
ninguém via,
Rolaram incessantes no
meu rosto,
Porque foi com coração
que chorei,
Ninguém sabe os
sofrimentos que passei.
Encontrei a Lúcia
apenas uma vez, treze anos depois. Eu estava abraçado com a bailarina Márcia
Albuquerque na esquina da farmácia Piauí, no Leblon, aquela aberta dia e noite.
Vinha atravessando a
rua com (suponho) o marido, me viu e disse com toda naturalidade:
– Olha o Palmério.
Engoli seco, não
consegui dizer palavra, e ela passou.
Durante esses anos
todos, acompanhava o sucesso de Castilho como treinador de vários clubes
nacionais.
A conquista do
Campeonato Paulista de 1984, por exemplo, tirando o Santos de um jejum de
títulos, e o que é melhor, contra o Corinthians, 1 a 0, no Morumbi, dia 2 de
dezembro, gol de Serginho Chulapa, que rasgou elogios a Castilho no final do
jogo: “Foi o melhor técnico que tive na vida”.
Esta foi, também, a
última grande conquista do time de Vila Belmiro, que entrou em campo com: Rodolfo
Rodrigues, Chiquinho, Márcio, Toninho Carlos e Toninho Oliveira, Dema e Lino, Paulo
Isidoro, Humberto, Serginho Chulapa e Zé Sérgio.
Mesmo coberto de
glórias, em fevereiro de 1987, aos 60 anos, Castilho chegou no apartamento da
ex-mulher, e perguntou se ela queria voltar.
Ao ouvir um não,
Castilho correu para a janela e deu o mais fantástico de seus saltos, num
edifício no bairro de Inhaúma, no Rio.
Fiquei chocado, mas não exatamente surpreso.
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