Em 1892, João Batista Viana Drummond, o Barão de Drummond, inaugurou o Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, no bairro de Vila Isabel.
Para atrair os visitantes, o zoológico promovia diariamente a distribuição de um prêmio: na entrada, cada pessoa pagava 1 real e recebia um bilhete com o desenho e o nome de um dos 25 animais em exibição.
Às 7h, o nome de um animal era depositado numa caixa, que era pendurada no alto de um poste de 5 metros de altura e aberta às 17h.
Cada portador de bilhete com o mesmo animal sorteado recebia um prêmio de 20 réis. Pronto, estava inaugurado o jogo do bicho.
O jogo virou um sucesso muito maior que o próprio Jardim Zoológico. As entradas eram vendidas lá mesmo e na Rua do Ouvidor (centro do Rio de Janeiro), onde também eram divulgados os resultados dos sorteios diários, que os jornais anunciavam assim: “No Zoológico venceu ontem o pavão. Pagou-se prêmio de 1:140 réis”.
Contrariamente às expectativas do Barão de Drummond, o número de visitantes do Jardim Zoológico era bem inferior ao de compradores dos ingressos, mais interessados em caçar fortuna do que em jogar pipocas aos macacos.
O jogo ganhou uma popularidade tão grande e tão rápida que, vinte dias depois da inauguração do zoológico, o Chefe de Polícia já expedia ofício advertindo:
“Esta diversão, prejudicial aos interesses dos incautos, que com a esperança enganadora de um incerto lucro se deixam ingenuamente seduzir, é precisamente um verdadeiro jogo de azar, porque a perda e o ganho dependem exclusivamente do acaso e da sorte. Como semelhante divertimento não pode por mais tempo ser tolerado, e conquanto maior fundamento quanto é certo que muitas queixas me têm sido dirigidas pelas pessoas lesadas, assim intimarei ao diretor do Jardim Zoológico para que suspenda imediatamente a continuação do aludido jogo, sob pena de ser processado na conformidade dos arts. 369 e 370 do Código Penal”.
Para combater as apostas, que se tornaram uma mania em toda a cidade, a Prefeitura impediu o sorteio em 1895.
Mas deu zebra: em vez de enfraquecer a jogatina, a proibição fortaleceu os bicheiros.
Se antes eles compravam os ingressos no zôo e os revendiam pela cidade, a partir daquele momento eles se juntaram para realizar o sorteio por conta própria.
Nem a ameaça de cadeia para os bicheiros com a criminalização do jogo, em 1946, conseguiu segurar a jogatina.
Àquela altura, o bicho já era uma mania instalada no imaginário popular, apoiado em uma rede de relações pessoais e no infalível jeitinho brasileiro para driblar a repressão.
Mesmo clandestino, o jogo do bicho sobrevive por mais de um século graças às relações entre bicheiros e apostadores. Geralmente, os apontadores de jogo e seus clientes são pessoas da mesma vizinhança, que discutem juntos as apostas.
O prêmio é pago em dia - um requisito básico para manter a credibilidade do sorteio - e os apontadores tradicionais sabem de cor o palpite de seus clientes.
Quem estuda o jogo garante: a possibilidade de associar os bichos com o dia-a-dia e até com os sonhos foi fundamental para fixar o jogo no imaginário popular.
Para os apostadores, tudo é motivo para um palpite. Foi traído por um amigo falso? Jogue no urso. Sonhou com fuga ou perseguição? Aposte no cachorro. Foi roubado? Crave no gato, pois o felino representa o ladrão. Na sabedoria das ruas, as combinações são infinitas...
Em Manaus, 75% do jogo do bicho era controlado por Antonio Silva (pai de Jaider Soares - o mancebo aí de cima -, presidente de honra da Grande Rio) e 25% por Waldemir Garcia, o Miro, presidente de honra do Salgueiro e membro da cúpula do jogo de bicho no Rio de Janeiro e em outros estados brasileiros.
Os dois funcionavam como uma espécie de banco central dos bicheiros locais: eram os responsáveis pela “descarga”, operação de garantia de pagamento de um prêmio em casos de apostas vultosas ou superiores a um limite predeterminado em cada ponto de jogo, o que varia de acordo com a área.
Conforme se sabe, no jogo do bicho escolhem-se números atribuídos a 25 animais e cada um deles corresponde a uma seqüência de quatro números (um grupo).
Por exemplo, o grupo 25 (vaca) corresponde às dezenas 97, 98, 99 e 00.
O grupo 12 (elefante) corresponde às dezenas 45, 46, 47 e 48.
O grupo 4 (borboleta) corresponde às dezenas 13, 14, 15 e 16, e assim por diante.
Ao apostar, pode-se optar por dezena, centena, milhar ou grupo. Acertar o milhar é o mais difícil, mas de vez em quando acontece.
Atualmente, paga-se R$ 4.000 por cada real apostado no milhar. A centena paga R$ 600 por real, a dezena paga R$ 60, e o grupo, R$ 18.
Para evitar um “derrame” – prejuízo à banca –, o gerente local ou o banqueiro (dono) da região contata o responsável pela descarga e faz com ele um tipo de apólice de seguro.
Se o apostador acertar o palpite, quem paga o prêmio é a descarga. Se errar, ele ganha um percentual da aposta pelo risco assumido.
A descarga paga as apostas vencedoras de bancas menores, principalmente naquelas mais volumosas no “milhar” – modalidade em que o cliente tem de acertar quatro números, matematicamente mais difícil e que por isso possibilita ganhos mais altos.
Em 1982, com a eleição de Gilberto Mestrinho, o jogo do bicho foi praticamente oficializado no estado. Na época, os dois maiores banqueiros da cidade eram Adriano Antony (aka “Bacurau”) e Manuel Sapucaia, ambos ligados ao bicheiro Antonio Silva.
Os demais bicheiros (Lauro Henrique, Beto Boca Rica, Chico Pitombeira, Aniceto, Japonês, Carvalho, etc) trabalhavam para a dupla.
O irmão mais novo do governador, Thomé Mestrinho, foi convidado por Adriano Antony para fazer parte do grupo. Ele aceitou e se transformou virtualmente no líder dos bicheiros da cidade.
Antes quase totalmente concentrado em Manaus, o jogo do bicho começou a se expandir para o interior. Foram abertas novas bancas em Itacoatiara, Manacapuru, Parintins, Coari, Tefé, Humaitá, Maués e Benjamin Constant.
Irmão do famoso bicheiro Beto Boca Rica, Ivan Albuquerque (aka “Ivan Chibata”) era um bem-sucedido representante de produtos farmacêuticos quando resolveu seguir a carreira do irmão.
Thomé Mestrinho lhe autorizou abrir uma banca na Alvorada.
Ivan Chibata (o de camisa azul) convocou os irmãos Sadok (o de camisa vermelha) e Sici Pirangy para ajudá-lo na administração do novo negócio. A parceria foi produtiva.
Em pouco tempo, Ivan Chibata se transformou no bicheiro mais popular da Cachoeirinha – e em um autêntico novo-rico.
Quero crer que, em valores de hoje, Ivan devia ganhar, limpo, uns R$ 20 mil por semana.
Ele não sabia o que fazer com tanto dinheiro. Começou a gastar perdulariamente.
No final de 1983, Ivan aposentou o velho fusquinha 73 e comprou um Opala Diplomata Cupê 84, de cor branca, zero bala, pagando à vista, em espécie.
Um ano depois, comprou um Opala Diplomata Cupê 85, de cor azul, e uma motocicleta Harley Davison Custom 700cc, ambos zero bala, ambos pagos à vista, em espécie.
No ano seguinte, comprou um Opala Diplomata Cupê 86, de cor vermelha, e um jipe Gurgel Carajás, de cor prata, ambos zero bala, ambos pagos à vista, em espécie.
Sua casa estava ficando parecida com uma revenda de automóveis.
E as presepadas de Ivan Chibata não paravam por aí.
A cada quinze dias, ele levava um grupo de 15 a 20 amigos para passarem o final de semana ou no Hotel Tropical, de Santarém, ou no Hilton Hotel, de Belém, ou no Gran Marquise Hotel, na Praia de Iracema, em Fortaleza.
Com passagens aéreas, hospedagem, comida, bebida e pagamento das putas correndo por conta dele. O sacana era abusado.
Numa determinada noite, Ivan Chibata, seus dois seguranças e mais meia dúzia de amigos entraram no conhecido Bar Guadalajara, na Praça 14, para beber cerveja e jogar conversar fora.
O som no volume máximo de uma juke box, entretanto, tirava qualquer um do sério.
Ele chamou a proprietária do bar, Dolores Maria, e solicitou que ela diminuísse um pouco a altura do som. Dolores explicou que aquilo era uma exigência do pessoal que havia comprado as fichas da máquina.
Ivan resolveu radicalizar. Ele conferiu na memória da máquina quantas músicas ainda iam tocar e comprou todas as fichas disponíveis no boteco, pensando assim em silenciar a impertinente juke box.
Quinze minutos, ou cinco músicas depois, a máquina silenciou. Ivan e seus convidados começaram a conversar.
Dez minutos depois, a juke box começa a tocar a música “Impossível acreditar que perdi você”, do Márcio Greik, num volume absurdamente alto.
Puto da vida, Ivan Chibata tornou a chamar a Dolores para saber o que estava acontecendo.
Sem esconder o nervosismo, ela explicou que um freguês havia comprado dez fichas antes de ele chegar e que somente agora estava usando.
Ivan mandou um dos seguranças ir comprar todas as fichas do sujeito, pagando o preço que ele quizesse.
Cheio da truaca, o sujeito não quis nem papo: disse que estava apaixonado e que pretendia repetir a mesma música mais nove vezes.
O bicheiro nem se perturbou. Foi até o seu carro, abriu o porta-luvas, apanhou seu Taurus calibre 38 e deu seis tiros na juke box.
Silenciou a eletrola na marra e ainda botou metade dos fregueses pra correr.
O bar ficou com clima de velório até de madrugada.
No dia seguinte, Ivan Chibata mandou entregar uma juke box novinha em folha para a Dolores. O caboco era arrochado.
3 comentários:
Arrochado, mas perdeu a noção de que o direito dele acabava onde começa o dos outros. Coitado, se deslumbrou com o excesso de dinheiro...
prezado simao,gostei muito deste texto.como faco para entrar em contato com vc?
Muito interessante a ganância mata
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