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quinta-feira, dezembro 12, 2019

A havaiana proibida e o headbanger fake



Debaixo dos caracóis dos meus cabelos tem um alma sebosa...

Fevereiro de 1975. No sábado gordo, o pessoal da Cachoeirinha resolveu participar do 10º Baile de Fantasias do Beasa, na época um dos mais concorridos e charmosos da cidade. Junta grana daqui, junta grana dali, foram compradas dez mesas e 40 ingressos.

Quando a turma se encontrou no clube, parecia uma “brincadeira” na casa da Doroteia. Uns 50 machos e umas 30 meninas. Tudo índio, tudo parente. Fui para a esbórnia na companhia do saudoso Nei Parada Dura.

Assim que a banda de sopros atacou as primeiras marchinhas, o salão se encheu de foliões dançando alegremente. Dispostos a pegar o sol com a mão, eu e Nei Parada Dura nos posicionamos estrategicamente nas proximidades do salão para conferir o mulherio.

Nesse dia, eu estava fantasiado de “headbanger fake” (óculos modelo Manhattan, que a Audrey Hepburn imortalizou na cena de abertura de “Bonequinha de Luxo“ – não era Ray Ban original, evidentemente, que custava 250 pilas, era daquelas cópias de 30 pilas, encontrados na barraca de camelô da esquina –, camiseta de meia preta sem estampa, à venda em liquidação no Mercadinho das Novidades, calça jeans preta, à venda em liquidação na Fantex, e tênis Bamba preto, à venda em liquidação na Sapataria Clark).

O Nei Parada Dura estava fantasiado de malandro de morro (chapéu de palhinha, camisa listrada, calça branca de cetim e sapato bicolor).

A pista do salão era rebaixada uns 20 centímetros em relação ao resto do piso do clube. Eu fiquei dentro da pista de dança, os dois braços se alternando pra cima e pra baixo, que nem uma gangorra, com os indicadores se sobressaindo no punho fechado que nem um falo ereto. Skindô, skindô. Nei Parada Dura ficou ao meu lado, mas fora da pista de dança.

Estávamos apenas estudando o campo de caça e, de vez em quando, detonando uma cerveja. Tudo muito cool, muito tranquilo, muito família. Com meia hora de baile, comecei a prestar atenção em uma bonita havaiana que dançava de mãos dadas com um sujeito fantasiado de palhaço Arrelia.

Ela não era muito alta – a ponta da sua cabeça dava no meu nariz –, mas tinha uns olhos lindos, uns lábios lindos, umas pernocas lindas e, o mais importante, uma bunda extraordinariamente linda, que o sarongue colorido tentava inutilmente disfarçar.

Não deviam ser namorados. Os namorados entravam naquela confusão abraçando-se pela cintura, nunca de mãos dadas. Quando ela passou por mim, estendi minha mão em sua direção.

Ela segurou minha mão, apertou rapidamente, soltou e continuou dançando em círculo com o Arrelia. Aquilo era sinal de que ela havia ido com a minha cara.

Na terceira vez que ela passou, segurei sua mão e a puxei em minha direção. Ela soltou a mão do palhaço e veio rindo ao meu encontro. Nos abraçamos como velhos namorados. O palhaço veio atrás, me segurou pela camisa na altura do pescoço e se preparou para me dar um murro.

Nei Parada Dura, que estava observando tudo, foi mais rápido. O murro desferido pelo malandro de morro passou raspando a minha cabeça e acertou no meio da cara do palhaço. O tempo fechou.

O palhaço Arrelia fazia parte de uma turma da Aparecida. Eles também haviam comprado umas dez mesas e uns 40 ingressos. Tudo índio, tudo parente.

Uns três deles, fantasiados de arlequins, largaram as colombinas no meio do salão e avançaram em cima do Nei Parada Dura. A minha havaiana saiu correndo e sumiu no meio da multidão.

Resolvi agir. A primeira cadeirada que dei acertou nas costelas de um pirata. Um tirolês me deu um chute na bunda, que quase me derruba. Mazinho quebrou uma garrafa de cerveja na cabeça do tirolês. Em questão de minutos, a pancadaria ficou fora de controle.

Sici Pirangy deu um chute violento em um Zorro e levou uma pernada por trás de um índio pele-vermelha, que quase o derrubava. Arlindo Jorge deu um murro no meio da cara do índio pele-vermelha, enquanto era atacado por dois pierrôs. Ricardão e Sadok saíram cobrindo de porrada os dois pierrôs.

Luiz Lobão agarrou um toureiro na gravata enquanto Chico Porrada se encarregava de socá-lo até a morte. Um Homem-Aranha tentou socorrer o toureiro. Recebeu uma voadora nas costas dada pelo Petrônio Alto.

Num momento de vacilo, em que fui cercado por três homens da caverna, os brothers Garibaldão, Ailton Santa Fé e Antídio Weil saíram distribuindo pernadas e socos nos vagabundos.

A gritaria das mulheres em pânico parece que aumentava a adrenalina dos brigadores. E tome porrada.

Devo ter jogado umas dez garrafas de cerveja na direção dos sujeitos, que se desviavam milagrosamente enquanto as garrafas explodiam com violência nas paredes de cimento.

O estoquista Jorge Andrade, que trabalhava comigo na Sharp, me segurou por trás tentando me tirar da confusão. Rubem Patinete, Erivam Cabocão e Airton Caju acharam que ele estava me agredindo, caíram em cima de nós dois e quase mataram o Jorge Andrade de porrada.

Foi um custo explicar que ele era meu amigo e que estava apenas tentando me proteger.

A confusão só terminou uns dez minutos depois, com a chegada da polícia. O salão do Beasa havia se transformado em uma terra arrasada, com metade das mesas do clube de cabeça pra baixo, cadeiras, garrafas e copos quebrados a dar de pau, aqui e ali uma mancha de sangue e a rica decoração do baile em frangalhos. Ninguém foi preso.

Durante a confusão, Nei Parada Dura havia ficado sem a camisa e sua calça de malandro estava totalmente rasgada, parecia uma saia.

Eu, ele e Jones Cunha entramos em seu carro e fomos para o Bar Dom Quichope, lá na Praça 14, para lamber as feridas e aguardar pelo resto da turma.

Puto da vida, Nei jogou fora o que restava de sua calça de malandro e entrou no boteco só de cueca e sapato bicolor.

Como eu tinha sido o pivô involuntário da confusão, também tirei a calça e a camisa e entrei no boteco só de cueca e tênis Bamba.

Desconfiado que só catita encarando uma ratoeira, Jones Cunha começou a se preparar para uma nova confusão.

O garçom que nos atendeu não deu a mínima. Enquanto colocava as tulipas de chope na mesa e anotava os pedidos de tira-gosto, fez uma observação:

– Você dois é que estão certos. Com esse calor infernal que está fazendo em Manaus, só mesmo ficando de cueca…

O resto do nosso pessoal começou a chegar.

Dali a pouco, o Dom Quichope havia se transformado em uma espécie de brincadeira na casa da Doroteia. Tudo índio, tudo parente.

Ficamos lá até o dia amanhecer, cada um fazendo questão de contar sua participação heroica naquela batalha campal contra os homeboys da Aparecida.

E tudo aquilo por quê?… Porque um palhaço Arrelia não quis perder sua bonita havaiana para um headbanger fake durante um baile de fantasias.

Assim caminha a humanidade. Giants.

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