Dezembro de 1977. O
Atlântica se prepara para iniciar a última fase do “mata-mata” do Peladão
enfrentando o poderoso Banik, no estádio Vivaldo Lima, num sábado à noite. Quem
vencer a partida, passa para a semifinal.
Para garantir a presença
do lateral direito Sici Pirangy, na época servindo o exército, o cartola Frank
Cavalcante havia subornado o guarda responsável pela guarita do 1º BIS para
fazer vista grossa para o desaparecimento momentâneo do recruta.
O cartola, em companhia de
Nei Parada Dura e Sici Pirangy, agora estava vasculhando os inferninhos da
Cachoeirinha em busca do craque do time, Áureo Petita, que preferia a companhia
de mariposas encachaçadas a exibir seu vistoso futebol nos campos de pelada.
Encontraram o meia armador
no cabaré Maria dos Patos, em Petrópolis, na companhia de um autêntico dragão
de Komodo de classe mundial.
Ele foi embarcado no
Chevette do Frankinho quase na marra.
Quando o quarteto
conseguiu chegar ao estádio Vivaldo Lima, o Banik já estava vencendo a partida
por 2 a 0 e o jogo estava na metade do segundo tempo.
Para reforçar a zaga, o
lateral direito Sici Pirangy vestiu rapidamente o equipamento e entrou em campo
no lugar de Luiz Lobão, que se transformou em volante e o volante titular,
Arquimedes, foi substituído.
Antes de entrar em campo,
no lugar do ponta de lança Manuel Augusto, Áureo Petita fez uma série de
exigências, entre as quais dar um “acocho” na exuberante Maria da Glória (aka
“Gói”), irmã caçula do Chico Costa, por quem estava perdidamente apaixonado.
O cartola Frank Cavalcante
concordou com tudo.
Na primeira bola que
recebeu, Áureo Petita se livrou de dois marcadores e bateu cruzado, fazendo o
primeiro gol do Atlântica.
Cinco minutos depois, ele
tabelou com Zeca Boy, deu um toque e driblou o zagueiro, deu outro toque,
driblou o goleiro e só não entrou com bola e tudo porque teve humildade.
Foi o segundo gol do
Atlântica.
Já nos descontos, Áureo
Petita entortou dois zagueiros e meteu de trivela para Zeca Boy, que acertou um
bonito voleio. A bola bateu no travessão.
Áureo Petita tirando onda com a exuberante Juliana Malveira,
Rainha do Peladão de 2017
Rainha do Peladão de 2017
O jogo terminou empatado
em 2 a 2. Pelas regras da competição, não havia disputa em pênaltis.
Em caso de empate, passava
para a fase seguinte a equipe de melhor campanha. O Atlântica, único time do
Peladão ainda invicto, despachou o Banik.
A comemoração pela nova
façanha do time foi feita no Bar do Aristides e entrou pela madrugada.
Herói do jogo, Áureo
Petita estava muito mais interessado nas promessas feitas pelo cartola Frank
Cavalcante do que no resultado da partida.
O cartola lhe deu uma
determinada quantia em dinheiro e cantou a pedra:
– Já acertei tudo com a
Gói. Ela vai te esperar amanhã no Cine Ypiranga, na sessão das quatro horas…
No dia seguinte, Áureo
Petita tomou um banho de perfume Lancaster, escovou os dentes catorze vezes,
pintou as unhas das mãos com esmalte incolor, cortou o cabelo bem baixinho,
engraxou o sapato bicolor, vestiu sua melhor roupa domingueira, comprou uma
caixa de bombons Sonho de Valsa e se mandou para a sessão das 16h no Cine
Ypiranga.
O filme em cartaz era a
comédia romântica “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”, de Woody Allen.
Ele ficou posicionado
estrategicamente no balcão de entrada, aguardando pela chegada de sua musa,
mais ansioso do que anão em comício.
As luzes começaram a ser
desligadas para dar início à sessão e nem sombra da Gói.
O meia armador ficou tão
chateado que comeu sozinho a caixa de bombons.
Quando o filme terminou,
ele resolveu ir tomar satisfações com a sua musa.
Encontrou a Gói
conversando com o resto das meninas (Sôngila, Hedy Lamar, Mary Jane, Silane,
Edna, etc) sobre fofocas da vizinhança, sentada em um banco localizado na
frente da casa do Mário Adolfo.
Ele entrou macio:
– E aí, dona Gói, a
senhora não quis assistir o novo filme do Woody Allen no Cine Ypiranga?
– Cine Ypiranga? – reagiu
a Gói, surpresa. – Eu não entro naquela pocilga há mais de cinco anos…
As outras meninas se
esbaldaram de rir.
Áureo Petita insistiu:
– Mas o Frank Cavalcante
me disse que você ia estar lá nesse domingo…
– O Frankinho? – reagiu
Gói, divertida. – Eu não falo com aquela peste há mais de três meses…
As outras meninas caíram
na gargalhada.
Áureo Petita já estava
mais angustiado do que barata de barriga pra cima quando, finalmente, a ficha
caiu.
Só então o meia armador
percebeu que a Gói não estava sabendo de nada a respeito do suposto encontro
romântico entre os dois e resolveu não insistir no assunto sob pena de pagar o
maior mico.
O sacana do Frankinho
havia lhe enganado miseravelmente!
Por conta desse encontro
que não houve, foi um verdadeiro parto a fórceps convencer Áureo Petita a
entrar em campo no sábado seguinte para enfrentar o time do Imperial pela
semifinal do Peladão.
Ele entrou, deu o passe
para Manuel Augusto fazer o gol, o Atlântica venceu por 1 a 0 e se classificou
para a grande final.
Mas “acochar” a Gói, que
era seu grande sonho de consumo, ficou transferido para as calendas gregas.
Deve ter sido por causa
disso que o Atlântica, único time invicto daquele Peladão, perdeu o título nos
pênaltis para a Ótica São Paulo, que vinha de duas repescagens. Deus castiga.
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