O inesquecível Bazam (ao lado do filho Antônio),
que resolveu virar encantado na manhã de ontem
que resolveu virar encantado na manhã de ontem
O cantor e compositor Nelson Roberto Perez (aka “Bob Nelson”) se tornou conhecido por misturar música caipira com o ritmo country e ficou famoso pela interpretação da canção “Oh, Susana!”.
Nascido em Campinas (SP), em 12 de outubro de 1918, Bob Nelson era o sexto dos oito filhos de José Pérez, espanhol, ferroviário da Mogiana e dono do Hotel Dalva, e de D. Floresmina.
Ele morreu no Rio de Janeiro, em agosto de 2009, aos 90 anos, após sofrer uma parada cardíaca.
O nosso Bob Nelson baré (batizado Roberto Borges Cardoso) nasceu em Santarém (PA), em 15 de setembro de 1946, e faleceu em Manaus, em maio de 2006, aos 60 anos, vítima de diabetes.
Ele era irmão do Alberto Gordo, supervisor de Produção na Philco da Amazônia e ex-diretor do Sindicato dos Metalúrgicos, no período 1984-1987. O sangue bom Alberto Gordo também faleceu há alguns anos, vítima de diabetes.
Dotado de uma voz talhada para o canto yodell (aquele canto com vibrato do tipo “tiroleeiiiite”), o Bob Nelson baré começou se apresentando em shows de calouros pelos quatro cantos da cidade, com um repertório inteiramente calcado no Bob Nelson original.
No final dos anos 60, ele já era figurinha carimbada no Bar do Aristides, onde, invariavelmente, começava a detonar uma garrafa de Praianinha cantando “Vaqueiro do Arizona, desordeiro e beberrão / Corria em seu cavalo pela noite no sertão / No céu, porém, a noite ficou rubra num clarão / E viu passar num fogaréu um rebanho no céu / Y-pi-a-ê, y-pi-a-ô”.
A gurizada viciada em faroeste, eu incluso, ia ao delírio.
Na sequência, Bob Nelson emendava a sua canção favorita, que eu também não consigo ouvir até hoje sem me arrepiar: “Quando fui ao Alabama e toquei meu violão / Encontrei uma menina num cavalo alazão / Ela me pediu sorrindo pra tocar uma canção / Que falasse do Alabama de um banjo e um violão / Oh! Suzana não chores por mim / Pois eu volto pro Alabama pra tocar meu banjo assim...”.
E aí ele mandava o “tiroleeiiite” por quase cinco minutos, incendiando o cabaré.
Na verdade, Bob Nelson colocava o vibrato yodell em qualquer música que lhe desse na telha – e seus acompanhantes no violão que se virassem.
Por exemplo, ele começava a cantar, batucando numa caixinha de fósforo: “Na minha fazenda tem um boi / Esse boi se chama Barnabé / Sabe moço ele anda se babando / Pela minha linda vaca Salomé”.
Aí, quando todo mundo esperava o segundo verso, ele enfiava as variações inimagináveis a partir do “tiroleeiiite”. Uma zorra.
Depois que descobriu sua alma gêmea (João Carlos Weil, aka “Bazam”, irmão do Antídio Weil), Bob Nelson não parou mais de agitar.
Como se fosse a dupla Pelé-Coutinho, Bazam e Bob Nelson, numa tabelinha perfeita, realizaram milhares de aprontos na Cachoeirinha e adjacências para levantar o leite das crianças.
Mas tudo na base do lero-lero, sem violência, porque malandro é malandro e mané é mané.
Um dos mais brilhantes golpes da dupla era realizado exatamente na entrada da Vila Mamão, próximo da casa de bilhares São Francisco de Assis, sempre nos dias de sábado, no início da noite, quando a banda de Fuzileiros Navais se apresentava em frente do Palácio Rodoviário.
Na época, havia um único caminho entre a Vila Mamão e o muro do Sanatório Adriano Jorge, uma espécie de beco mal iluminado que terminava numa imensa jaqueira.
De lá em diante, dezenas de becos mal iluminados desnorteavam qualquer um que se aventurasse por aquelas plagas sem uma bússola decente.
Os meganhas só entravam ali com proteção policial.
O golpe, simples e funcional, consistia em alardear que Bazam havia aprisionado uma temida taturana também conhecida como tiranaboia.
A taturana estava presa embaixo de um chapéu, sobre um jornal, que os dois haviam acabado de estender no meio na rua.
Claro que não havia nada sob o chapéu de palha estilo Panamá, só que ninguém sabia.
As pessoas que se dirigiam para assistir ao concerto dos fuzileiros navais olhavam para a presepada sem esconder a curiosidade.
Alguns ficavam no meio do caminho para conferir a perigosíssima tiranaboia.
Também chamada de jequitirana, jitirana, taturana, cobra-de-asa, cobra-do-ar, cobra-voadora, cobra-cigarra, gafanhoto-cobra, jaciara e serpente-voadora, o verdadeiro nome da taturana é jaquinaraboia (do tupi iakyrána, “cigarra”, mboia, “cobra”).
Trata-se de um nome comum de vários insetos grandes (alguns chegam a medir 10 cm) e semelhantes a cigarras, que possuem um enorme ferrão no abdome utilizado para perfurar as plantas de onde retiram a seiva com a qual se alimentam.
A crendice popular afirma serem venenosos (“se bate numa árvore, esta seca, se bate numa pessoa, esta morre”), mas, na verdade, são insetos absolutamente inofensivos, que se alimentam do néctar das frutas e da seiva dos vegetais.
Nos anos 60, ninguém sabia disso.
Com sua voz de menestrel, Bob Nelson entrava macio como colher de alumínio em mamão maduro:
– Este bichinho chamado tiranaboia ou taturana, que está preso debaixo desse chapéu, é um dos mais temidos dentro da floresta amazônica. Segundo os mateiros, a tiranaboia só pode pousar sobre uma espécie de árvore. Caso pouse em alguma outra, ela automaticamente mata a árvore. Eu vi uma seringueira que morreu. Ela quebrou exatamente aonde a tiranaboia pousou, no meio do caule. Para a raça humana, a taturana também é muito perigosa. Caso ela trisque na pessoa, diz que a morte é certa.
Começava a juntar gente para ver a presepada.
Bazam fingia uma certa impaciência:
– Eu vou já soltar essa taturana, que ela está com muita fome! – dizia, enquanto se agachava em direção ao chapéu.
Bob Nelson o segurava pelo braço e o repreendia, fingindo nervosismo:
– Não faça isso, meu irmão. Tem muita criança no pedaço. Tu te lembras da merda que deu ontem lá na Matinha? Teve gente que saiu machucada durante a correria... Essa tua taturana é o cão chupando manga, ainda mais quando está desse jeito, morta de fome...
A curiosidade aumentava. O zum zum zum e o diz-que-diz-que iam atraindo mais gente.
Daqui a pouco, os dois já estavam cercados por dezenas de pessoas, implorando para ver a taturana.
Bob Nelson fingia uma exasperação calculada:
– Ô, meu irmão, isso aqui não é circo não! Essa tiranaboia é um terror! A gente vai precisar de uma graninha para cuidar dos mortos e feridos porque depois que ela sair de baixo do chapéu isso aqui vai se transformar no maior pandemônio... Ontem à noite, lá em Educandos, umas quinze pessoas foram parar no Samdu... Essa tiranaboia é perigosa! É muito perigosa!
Algumas pessoas contratadas previamente por eles começavam a colocar notas de um Cabral ao lado do chapéu.
Os incautos curiosos pegavam corda e começavam a depositar suas cédulas de Princesa Isabel, Dom Pedro II, Tiradentes e, em dia de fartura, até de Santos Dumont.
Todos querendo ver, ao vivo e em cores, uma autêntica tiranaboia.
Bob Nelson continuava a pregação, deixando a plateia cada vez mais nervosa e curiosa.
Quando o monte de grana atingia um valor considerado, Bob Nelson anunciava o grand finale:
– É agora que a jiripoca vai piar! – avisava, enquanto recolhia a grana depositada na folha de jornal. – Solta a taturana, meu irmão, que eu quero ver o circo pegar fogo!
Automaticamente, Bazam se ajoelhava, colocava rapidamente o chapéu na cabeça, levantava como se fosse impulsionado por molas, chutava a folha de jornal na direção da galera (a sincronia era perfeita, nem Charles Chaplin ousaria imitar) e berrava:
– Pega eles, taturana maldita! Mata a tua fome tirana, taturana miserável!
Por causa do susto, as pessoas querendo fugir da direção do chute do Bazam se chocavam uma com as outras, se machucavam e já achavam que aquilo era fruto da taturana em ação.
Em questão de segundos havia gente berrando, gente chorando, gente caindo no chão, gente sendo pisoteada, gente falando palavrões, cachorros latindo e mordendo gente, um inferno.
Enquanto o pandemônio se instalava, os dois aproveitavam para fugir correndo pelo beco da Vila Mamão até desaparecer no sem-número de becos existentes depois da jaqueira.
Na semana seguinte, repetiriam a façanha. Lá ou em outro lugar.
Um comentário:
Saudades de Bazan e sua turma....
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