Pesquisar este blog

terça-feira, dezembro 24, 2019

A Lista de Schindler de Edward Favela



O escritor Jones Cunha no Castanhal do Jutica, em Tefé

Era quase uma tradição de fim de ano. No começo da tarde do dia 31 de dezembro, o motorista Edward Favela, armado com uma peixeira de sete polegadas na cintura, se aboletava solitariamente em uma das mesas do Bar do Aristides, na Cachoeirinha, pedia uma “meiota” de cachaça e começava a consultar uma lista.

Naquela lista estavam os nomes dos desafetos em que ele iria começar a desfechar uma peixeirada no bucho, de preferência para matar, a partir do dia seguinte, 1º de janeiro, dia consagrado à paz entre os homens.

Quem tivesse feito alguma desfeita ao motorista no ano que se encerrava, era um candidato potencial a entrar na lista.

De repente, Jones Cunha se aproximava da mesa do matador:

– O meu nome está na lista?

Edward dava uma olhada.

– Está. Você é o terceiro!

– Meu irmão, não faça isso! Eu vou te pagar uma “meiota”, mas coloca o meu nome lá embaixo, entre os últimos... – implorava Jones Cunha.

– Feito! – avisava Edward.

Enquanto Jones providenciava a cachaça, Favela riscava seu nome do terceiro lugar e acrescentava lá pelo quinquagésimo sexto, que o sujeito tinha muitos desafetos.

Daí a pouco, chegava Nei Parada Dura:

– O meu nome está na lista?

Edward dava uma olhada.

– Está. Você é o quinto!

– Meu irmão, não faça isso comigo não! Eu vou te pagar uma “meiota” e um tira-gosto de sardinha, mas coloca o meu nome lá embaixo, entre os últimos... – implorava Nei Parada Dura.

– Feito! – avisava Edward.

Enquanto Nei Parada Dura providenciava a cachaça e o tira-gosto, Favela riscava seu nome do quinto lugar e acrescentava lá pelo sexagésimo nono.

Dali a alguns minutos, Rubens Bentes se aproximava da mesa:

– O meu nome está na lista?

Edward dava uma olhada.

– Está. Você é o primeiro!

– Porra, meu irmão, você está me desconhecendo! Sempre fui seu peixe. Não faça isso comigo não! Eu vou te pagar duas “meiotas” e uma carteira de Hollywood, mas coloca o meu nome lá embaixo, entre os últimos, de preferência, depois do Jones... – implorava Rubens Bentes.

– Feito! – avisava Edward.

Enquanto Rubens Bentes providenciava a cachaça e o cigarro, Favela riscava seu nome do primeiro lugar e acrescentava lá pelo octogésimo terceiro.

Por volta das 10 da noite, mais bêbado do que um gambá (dependendo do número de desafetos que chegavam no bar, ele era agraciado com até 25 “meiotas”, 15 carteiras de Hollywood e um número incalculável de tira-gostos de sardinha, conserva e salsicha em lata), Edward Favela guardava a lista no bolso e se dirigia para sua residência, aos trambolhões.

Quando se curava da carraspana, no dia seguinte, Favela não tocava no assunto.

Mas no dia 31 de dezembro do ano seguinte começaria tudo outra vez.

Era um obstinado!

Nenhum comentário: