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sábado, dezembro 14, 2019

Louro do Pezão ataca novamente



Marco Aurélio era um grande estilista tanto no futebol quanto na sinuca

Junho de 1973. O velho Nagib Bader estava em sua residência, na Rua General Glicério, na Cachoeirinha, em uma sexta-feira, se preparando para fazer sua oração diária do meio-dia (“Zuhr”) com a cabeça voltada para Meca, a cidade santa na Arábia Saudita, quando ouviu alguém batendo na porta da casa com violência.

Ele estranhou aquela visita em horário tão inoportuno, mas ainda assim resolveu abrir a porta e ver do que se tratava.

Era Raimundo Ribeiro da Silva (aka “Lobo”, hoje dono da boate Remulo’s e de dezenas de casas de strip-tease), na época um sujeito tarimbado na arte da sinuca e que dela fazia seu ganha-pão.

– Seu Nagib, eu preciso falar urgente com o Compadre Louro. Ele está aí?… – disparou ele, sem esconder o nervosismo.

O “Compadre Louro” era Marco Aurélio, um dos filhos do seu Nagib, outro sujeito também muito talentoso na sinuca e conhecido nas rodas de malandragem como “Louro do Pezão”.

O velho foi chamar o filho, que estava terminando de almoçar.

– Meu compadre, pegue seus tacos de sinuca que nós hoje vamos fazer uma pescaria de espinhel, tarrafa e malhadeira em Itacoatiara, onde o dinheiro está caindo no chão. Hoje é dia de pagamento das serrarias e a peãozada de lá gosta de uma sinuca valendo dinheiro. O nosso trabalho vai ser só ir lá e ajuntar a grana do chão… – avisou Lobo.

Dois outros amigos de Lobo e também verdadeiras feras na sinuca, Osvaldo Cabeludo e Franklin Mão Santa, já aguardavam ansiosamente pelo quarto elemento dentro do carro.

Marco Aurélio pegou sua caixa de ferramentas e fez uma única exigência:

– O primeiro filho da puta que me chamar de Louro do Pezão, eu vou quebrar o taco de sinuca na cabeça…

Seus parceiros concordaram e eles se mandaram para a Velha Serpa.

Os quatro forasteiros ficaram hospedados na Pensão São Jorge, um muquifo de meia estrela, caindo aos pedaços, localizado perto da Rodoviária, e depois foram bater pé pela cidade.

Em uma das ruelas perto da pensão, eles descobriram o Bar do Baiano, que possuía uma mesa de sinuca tradicional, conhecida também como “Bola 7”, em que as bolas são numeradas pela cor na seguinte ordem: vermelha (1), amarela (2), verde (3), marrom (4), azul (5), rosa (6) e preta (7).

Uns 20 capiaus itacoatiarenses estavam disputando a dinheiro a modalidade conhecida como “31”: ganha quem faz 31 pontos primeiro ou perde quem “estourar” os 31 pontos.

Osvaldo Cabeludo entrou na mesa e ganhou 20 partidas seguidas.

Aí, passou o taco para Marco Aurélio, que também ganhou mais 20 partidas seguidas.

Marco Aurélio passou o taco pra Franklin Mão Santa, que também ganhou mais 20 partidas seguidas.

Os capiaus, desconfiados de que estavam enfrentando Lúcifer, Satanás e Belzebu em pessoa, resolveram puxar o carro antes que perdessem até as cuecas.

Com o dinheiro apurado, Lobo, que era o empresário da trinca, alugou um jipe Willys e levou seus “atletas” para o famoso lupanar Cacuruta, uma das glórias de Itacoatiara.

Ele arrendou todas as 47 prostitutas do pedaço, exigiu que elas não arredassem o pé de sua mesa e pagou biritas e tira-gosto para quem estivesse por perto.

Farrearam até o dia amanhecer.

A pescaria de espinhel, tarrafa e malhadeira estava apenas começando.

No sábado, o quarteto voltou ao mesmo bar.

Uns 30 capiaus estavam disputando o tradicional jogo “Bola 7”, em que as bolas devem ser mortas na sequência (da vermelha à preta).

Nessa modalidade, a partida termina com a vitória de um jogador se ele fizer 61 pontos ou se houver uma diferença de pontos conforme abaixo:

Diferença de mais 46 pontos entre os oponentes e restam três bolas a serem encaçapadas.

Diferença de mais de 27 pontos entre os oponentes e restam duas bolas a serem encaçapadas.

Diferença de mais de 7 pontos entre os oponentes e resta uma bola a ser encaçapada.

Foi quando, de repente, entrou no bar o vereador Tadeu, considerado o melhor jogador de sinuca de Itacoatiara e um dos comerciantes mais ricos do município, portando sua própria caixa de ferramentas.

Ele olhou de soslaio para a mesa, abriu a caixa de ferramentas, escolheu um taco e foi logo avisando:

– Estou na próxima partida e pago dois por um. Quem apostar 50 e me ganhar, eu pago 100…

Dito isso, Tadeu atarraxou seu taco de sola francesa, passou giz azul na ponta do taco e, em meia-hora de peleja, já havia derrotado todos os capiaus do recinto.

Osvaldo Cabeludo ficou impressionado com o jogo de Tadeu, dono de uma técnica esmerada e perfeito toque de bola, principalmente nas “puxadinhas”.

Franklin Mão Santa também começou a suar frio, depois que viu Tadeu matar uma bola usando três tabelas e um primoroso efeito contrário na descaída.

Vendo o nervosismo de seus dois “atletas”, o empresário Lobo sugeriu que Marco Aurélio, o mais experiente da turma, enfrentasse o campeão local.

As duas feras começaram a se pegar e os capiaus presentes concordaram em apenas assistir às partidas.

Como o vereador Tadeu apostava valores cada vez mais altos, Lobo começou a se empolgar com aquela verdadeira pescaria de espinhel, tarrafa e malhadeira, e resolveu encher a caveira de birita.

Pelos seus cálculos, a pescaria iria render, no mínimo, uns 50 mil reais (em valores de hoje) porque o vereador era marrento e estava jogando no seu próprio campo, diante de sua própria torcida.

Quando o placar das partidas estava em 7 a 2 para Marco Aurélio, Tadeu ficou com o diabo no couro e, na décima partida, saiu encaçapando uma bola atrás da outra.

Ele passou a bola rosa porque quis fazer gaiatice.

A bola estava a um palmo da caçapa, pedindo um tiro direto e o final da partida.

Tadeu meteu uma rosca transversa com quatro tabelas e apenas raspou levemente na bola rosa.

Rindo estrepitosamente, ele não se deu por achado:

– Caralho, como é que eu fui passar logo uma bola besta dessas?… Anda bem que meu adversário já está fodido… – bazofiou.

Na vez de Marco Aurélio jogar, só restava duas bolas na mesa (a rosa e a preta) e a diferença era de 26 pontos para Tadeu.

As duas bolas estavam distantes uma da outra.

Marco Aurélio enfiou um repinique gregoriano e matou a bola preta (uma jogada de risco, para não matar a bola da vez).

A bola preta voltou pra mesa.

Marco Aurélio meteu um efeito contrário, matou a bola rosa (a bola da vez) e já ficou posicionado estrategicamente para matar a bola preta.

Aí, meteu uma crivela em zig-zag e matou a bola preta (jogada de bonificação por ter morto antes a bola rosa).

A bola preta voltou pra mesa.

Tadeu simplesmente não acreditava no que estava vendo.

Os capiaus, contritos, silenciosos, alguns rezando em voz baixa, pareciam estar em um velório.

De repente, Marco Aurélio fez uma tacada de segurança só para desmoralizar o oponente: meteu uma puxada enviesada, que fez a bola preta ficar colada na mesa enquanto a bola branca foi parar quase dentro de uma caçapa longitudinal à bola colada.

Para quem não manja de sinuca, a puxada consiste em um movimento anormal da bola branca, forçado por giro contrário ao rolamento natural dela, que provoca tendência de retorno em direção contrária à original e altera sua trajetória natural após o contato com a bola visada.

Tadeu ficou no famoso “pé de bucho”, primo próximo da “sinuca de bico”: para acertar na bola colada, só usando o recurso da tabela.

Ele conseguiu fazer a jogada correta e descolou a bola preta da mesa.

Marco Aurélio só teve o trabalho de encaçapar a última bola e ganhar a partida, após realizar com maestria e frieza o famoso “golpe do 27”.

Empolgado com a reação de seu “atleta” e completamente gorozado, Lobo não se conteve e gritou em voz alta, para todo mundo ouvir:

– Porra, Osvaldo Cabeludo, mas a gente tem que tirar o chapéu: esse Louro do Pezão é muito foda! Esse Louro do Pezão é muito foda! Eu não te falei, Franklin Mão Santa, que o Louro do Pezão é foda? O cara é foda, porra, o cara é foda! Não tem pra ninguém!

Ouvindo aquilo, o vereador Tadeu parou de arrumar as bolas para dar início a uma nova partida, se aproximou de Marco Aurélio e disparou à queima-roupa:

– Caralho, você é o Louro do Pezão?! O cara que derrotou Rui Chapéu, Carne Frita e Miguelzinho?! Vai te foder, porra, você é jogador profissional… Vai ganhar dinheiro na puta que te pariu, não às minhas custas…

Antes que Marco Aurélio abrisse a boca, Tadeu já estava desatarraxando o próprio taco para guardar na sua maleta e dando um aviso fúnebre aos capiaus:

– Se vocês quiserem perder até as cuecas, joguem com esse homem… Só lhes digo isso: joguem com esse homem…

Aí, foi embora do bar, cuspindo fogo.

Os capiaus fizeram o mesmo.

Em quinze minutos, a cidade inteira já sabia que o famoso Louro do Pezão, campeão de sinuca da Red Zone de Manaus, estava em Itacoatiara procurando patos.

Os forasteiros começaram a ser tratados como verdadeiros leprosos nas poucas mesas de sinuca existentes na Velha Serpa: bastava eles entrarem no bar para todo mundo ir embora.

A promissora pescaria de espinhel, tarrafa e malhadeira “micou” no mesmo dia.

O jeito foi o quarteto levantar acampamento e retornar pra Manaus.

Puto da vida, Marco Aurélio só não quebrou o taco de sinuca na cabeça de seu velho compadre Lobo porque ele estava tão bêbado que nem ia saber o que havia acontecido.

Mas os dois passaram umas três semanas sem se falar.

O Louro do Pezão era foda!

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