Carnaval de clube já foi uma delícia, zifio!
Morador de uma casa de
dois andares localizada na Rua Borba canto com a Rua Tefé, na Cachoeirinha, o vereador
Francisco Corrêa Lima era casado com dona Aldi, irmã de dona Amariles, mãe da
Solange, Sôngila e Sidão Ribeiro, e irmã de dona Aidil, mãe do Helder, Nádia e
Omar Filho (“Tutu”). Tudo índio, tudo parente.
O casal não teve filhos
naturais, mas adotou dois moleques que valiam por dez.
O mais velho, Afrânio (aka
“Eusébio”, porque era apaixonado pelo atacante português), era viciado em jogos
de futebol de mesa e de calçada.
Ele possuía dezenas de
times de celotex e de caroços de tucumã. Com um agravante: Afrânio era tão
fanático pela brincadeira que, quando seu time favorito, o Benfica, entrava em
campo, o doido fazia uma infernal queima de fogos de artifícios no pátio da
residência, que assustava a vizinhança inteira.
O doido também jogava as
partidas de celotex irradiando o jogo (“Ataca o esquadrão lusitano com o
armador Mário Coluna. Mário Coluna tocou para José Águas. José Águas tocou para
Eusébio. O centroavante se livra de dois marcadores. Se aproxima da grande
área. Apontou, vai chutar, chutou, é gooooooollllllll!”. E haja catolés explodindo na
residência).
Das 300 partidas que
disputamos, ele deve ter ganho umas 20, no máximo. Mas acreditava ser um dos
melhores jogadores do bairro.
O mais novo, Aldifran,
assim que completou 13 anos de idade, se transformou no maior fabricante de
“cheirinho da loló” da Cachoeirinha.
Vinha gente dos quatro
cantos da cidade adquirir sua obra-prima (“É melhor do que o lança-perfume
Rodouro”, asseguravam os cafungadores).
O bioquímico diletante fabricava
o produto sob encomenda e nunca ensinou a fórmula para ninguém. Abandonou a
brincadeira em 1987 e foi trabalhar no serviço público, onde está até hoje.
O certo é que quando,
esporadicamente, eu encontrava o distinto vereador caminhando pelas ruas do
bairro, o cumprimentava civilizadamente:
– Bom-dia, Dr. Corrêa
Lima. Como vai a dona Aldi?…
– Bom-dia, meu rapaz. A
Aldi vai bem, vai muito bem, obrigado! – ele devolvia, sempre sorridente, como
todo bom político.
No carnaval de 1974, nós
resolvemos furar a entrada do “Baile do Pierrô”, no Clube Municipal, cujo
presidente, salvo engano, era o referido vereador Corrêa Lima.
Se desse alguma bronca,
era só citar o nome do ilustre morador da Cachoeirinha que, em passado não tão
remoto assim, de vez em quando assumia a prefeitura de Manaus nas eventuais
ausências do prefeito Paulo Nery.
Naquela época, o
governador nomeava o prefeito das capitais e não havia vice-prefeito.
O cargo de vice-prefeito
era exercido pelo presidente da CMM.
Naquela época, Corrêa Lima
era presidente do legislativo municipal.
Na modalidade “invasão de
peito aberto” em carnavais, que era a nossa favorita, a primeira tarefa era
escolher o “coelho”, ou seja, o cara que vai pro sacrifício de ser pego pelos
seguranças (sim, eles precisavam mostrar serviço!), para que o resto da turma
possa se escafeder no meio da multidão e entrar no clube.
Pelo grau de intimidade
que eu suspeitava ter com o vereador Corrêa Lima, me escalei para a tarefa.
A gente se posicionou em
um terreno baldio nos fundos da sede campestre.
O truque era simples e
ordinário: algum sangue-bom que já estivesse dentro do clube iria desligar a
chave geral.
Com aquela momentânea
escuridão de breu, era só passar pela cerca de arame farpado que separava o
terreno do clube do terreno baldio e embicar em direção ao fuzuê na maior
correria da paróquia.
A operação toda tinha de
ser realizada em menos de três minutos, que era o tempo máximo necessário para
um prestativo segurança religar a chave geral.
Dito e feito.
No momento em que a luz
voltou, iluminando nossa rota de fuga em direção ao clube, três seguranças me
encaixotaram.
O resto da moçada
conseguiu desaparecer no meio do salão.
Antes que os brutamontes
começassem a me espancar, gritei as palavras mágicas:
– Se um de vocês me bater,
vai ser demitido da Câmara Municipal de Manaus agora mesmo. Eu sou sobrinho do
Dr. Corrêa Lima, presidente da Câmara…
Os seguranças se entreolharam
meio desconfiados, torceram um de meus braços para trás e resolveram confirmar
a informação.
O vereador estava em uma
mesa do clube, cercado de aspones e piriguetes de vários calibres, tomando
todas. Já devia estar pra lá de Marrakesh.
Entrei no recinto
escoltado pelos seguranças. Diante da mesa, abri o verbo:
– Dr. Corrêa Lima, o
senhor não é meu tio?…
Ele me encarou com seus
olhos mortiços de um biriteiro em estado terminal e disparou:
– Não sou não, meu filho,
não sou não!… Aliás, eu nem lhe conheço…
Os seguranças me colocaram
pra fora do clube na base do pescoção. Um ultraje a rigor!
É evidente que depois
desse dia eu nunca mais cumprimentei o vereador Corrêa Lima nem mesmo quando o
encontrava no velório de algum conhecido.
E, dois anos depois,
quando votei pela primeira vez para vereador, cravei o nome do Fábio Lucena na
cédula eleitoral.
O nobre edil Corrêa Lima
perdeu a reeleição e nunca mais foi eleito nem para síndico de massa falida.
A vingança é um prato que
se come frio.
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