Ailton Santa Fé, Marco Aurélio e Luiz Lobão no Bar do Jacó
Abril de 1971. O velho
Nagib Bader estava sonhando com os anjos em sua residência, na Rua General
Glicério, na Cachoeirinha, quando ouviu alguém batendo na porta da casa com
violência. Devia ser perto de meia noite.
Ele estranhou aquela
visita em horário tão inoportuno, mas ainda assim resolveu abrir a porta para
ver do que se tratava.
Era o malandríssimo
Raimundo Ribeiro da Silva (aka “Lobo”, hoje dono da boate Remulo’s e de dezenas
de casas de strip-tease), na época um sujeito muito bom na arte da sinuca e que
dela fazia seu ganha-pão.
– Seu Nagib, eu preciso
falar urgente com o meu compadre. Ele está aí?…
O compadre de Lobo era
Marco Aurélio, um dos filhos do seu Nagib, outro sujeito também muito talentoso
na sinuca e conhecido nas rodas de malandragem como “Louro do Pezão”.
O velho foi acordar o
filho.
Ainda meio sonolento,
Marco Aurélio, com a mão esquerda enfaixada, foi conversar com Lobo.
– Meu compadre, pegue seus
tacos de sinuca que nós vamos ali no lupanar “Rosa de Maio”, onde o dinheiro
está caindo no chão. O nosso trabalho vai ser só ajuntar… – avisou Lobo.
– Porra, Lobo, amanhã eu
tenho um jogo pelo América e preciso ir para a concentração daqui a pouco –
devolveu Marco Aurélio. – Se eu chegar na concentração atrasado, o técnico
Amadeu Teixeira me capa. Além disso, ontem eu acertei sem querer uma martelada
no dedo e não estou podendo nem abrir direito a mão esquerda.
– Pare com isso, meu
compadre! O dinheiro está caindo no chão, nós só vamos ter o trabalho de
ajuntar. Se eu tivesse grana, já estaria lá fazendo a feira. Ocorre que estou
liso! Quero que você me empreste um pouco de dinheiro e me leve lá no lupanar,
que vou te devolver a mixaria com juros e correção monetária.
Diante da insistência de
seu compadre, Marco Aurélio acabou pegando seu velho fusquinha, os tacos de
sinuca, embarcou Lobo no veículo e se mandou para o puteiro mais badalado da
cidade. No caminho, Lobo foi lhe contando o que havia acontecido.
Segundo ele, o conhecido
punguista Abacate, morador da Vila Mamão, havia feito um roubo milionário na
Casa 22 Paulista e surrupiado 200 sapatos Motinha, que era o sonho de consumo
da molecada.
Abacate já havia vendido
todos os sapatos e estava com a grana da transação no bolso, jogando sinuca a
dinheiro no “Rosa de Maio”.
Quando chegaram ao
lupanar, Marco Aurélio emprestou uma boa soma de dinheiro ao seu compadre, lhe
deu o melhor taco da maleta e ficou dormindo dentro do carro. Lobo foi jogar
sinuca com Abacate.
Três horas depois, Lobo
estava batendo no vidro da janela do fusquinha:
– Compadre, compadre, me
empreste mais dinheiro que o homem me alisou…
Ainda meio sonolento,
Marco Aurélio limitou-se a ironizar:
– Mas, porra, compadre,
não era só ajuntar o dinheiro do chão?… Agora quem ficou liso fui eu…
Os dois entraram no
puteiro para ver se havia algum conhecido que lhes emprestasse uma grana para
Marco Aurélio, mesmo avariado, apostar contra Abacate.
Perto do salão de sinuca,
Abacate descansava placidamente em uma cadeira de balanço, com duas prostitutas
sentadas em seu colo e dois engraxates agachados aos seus pés, cada um deles
dando o brilho num dos seus sapatos Motinha.
– Êi, Lobo, sabe quem é
que tá pagando essa mordomia toda? É você, meu amigo… É você meu amigo! –
zombava Abacate.
Aí, enfiava um dos dedos
na xereca de uma das prostitutas, levava o nariz e dizia:
– Essa aqui está usando
perfume Bond Street importado da Inglaterra e pago pelo Lobo…
Depois, repetia a operação
com a outra garota.
– Essa aqui está usando
perfume Paco Rabanne importado da França e pago pelo Lobo…
Mais lisos do que lombo de
pão doce, os dois compadres abandonaram o puteiro cuspindo fogo.
Em vez de voltar para a
Cachoeirinha, Marco Aurélio foi para o bairro de São Raimundo.
Parou em frente de uma
casa de madeira e começou a bater na porta com violência. Um sujeito, ainda
meio sonolento, abriu a porta.
Era José Ramos (aka
“Pixuí”), um gafanhoto que o grande mestre Louro do Pezão estava treinando para
transforma-lo em um dos mais hábeis jogadores de sinuca do bairro.
Marco Aurélio contou o que
acontecera. Pixuí pediu um tempo para escovar os dentes e trocar de roupa.
Uma hora depois, os três
estavam de volta ao “Rosa de Maio”. Nem sinal do Abacate.
Um dos garçons informou
que ele havia saído com as duas prostitutas para continuar a farra em
Educandos.
Os três se mandaram para
Educandos e passaram em revista todos os bares que possuíam mesas de sinuca.
Foram encontrar Abacate, morto
de bêbado e ainda com as duas prostitutas no colo, no Brasília Bar, do
comerciante Zé Félix.
Assim que avistou Lobo,
Abacate foi logo perguntando:
– Veio me trazer mais
dinheiro, meu pato? Entre e fique à vontade…
Lobo fez que não escutou.
Marco Aurélio ficou na dele.
Marrento toda vida, Pixuí
dispensou os tacos da maleta do grande mestre e simplesmente pegou um dos tacos
existentes na parede do boteco.
Aí, depois de apostar uma
grana preta com Abacate, começou a comer pelas beiradas o famoso punguista da
Vila Mamão. Abacatada com gosto de pato.
Duas horas depois, ele
havia recuperado o dinheiro de Marco Aurélio e embolsado todo o dinheiro que o
Abacate havia apurado com a venda dos 200 sapatos Motinha. Malandro é malandro
e mané é mané.
Os três deixaram o bar do
Zé Félix de alma lavada enquanto Abacate permanecia em surto cataléptico, sem
saber direito o que havia acontecido.
Marco Aurélio chegou à
concentração do América, localizada na Rua Silva Ramos, no Alto do Nazaré, por
volta das 7h da manhã.
Quase foi capado pelo
irascível treinador Amadeu Teixeira, que achava que seu melhor jogador havia
passado a noite na gandaia.
O gafanhoto do Louro do
Pezão também era foda!
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