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sexta-feira, dezembro 13, 2019

Nego Walter e o capim santo do Junior Peninha



Com 15 anos de idade, Nego Walter começou a trabalhar como office-boy do empresário José Miguel Loureiro (aka “Zecão”), que depois foi representante na cidade da empresa Peika, do Panamá, distribuidora exclusiva dos produtos Sanyo e Nivico na Zona Franca de Manaus.

Apelidado de “Pelé” pelo empresário, Nego Walter logo se tornou uma espécie de bigorrilho da família, dando expediente tanto na loja de importados como na residência de Zecão e dona Perpétua, localizada no Conjunto Jardim Haydéa.

É que os dois filhos do empresário, Zé Miguel e Patrícia, de três e dois anos, respectivamente, simplesmente ficaram fascinados com aquele crioulinho esperto que lhes fazia todos os gostos e vontades.

Em setembro de 1975 (uns 15 anos depois da “adoção” do bigorrilho), Zecão chamou Nego Walter em seu escritório e cantou a pedra.

– Pelé, amanhã você vai lá em casa e faz uma capinação geral no quintal que eu vou ampliar a residência. Tem uns jarros gigantescos, que já estão dando mato, você quebra e joga fora. Tem uns pés de pimenta de cheiro e outros de pimenta malagueta. Você corta e joga fora. Tem um ou dois pés de abacate. Você corta e joga fora. Enfim, mete a enxada e o terçado com vontade, que eu quero ver aquele quintal limpo, sem um arbusto pra fazer remédio…

Bem-mandado toda vida, Nego Walter chegou de manhã cedo à residência do Zecão. O empresário já havia saído para trabalhar. Os dois adolescentes, Zé Miguel e Patrícia, haviam ido pra escola. Na casa, apenas dona Perpétua e as empregadas.

Nego Walter contou a razão de sua presença no recinto, abriu seu saco de ferramentas e botou pra quebrar. Literalmente. Munido de uma marreta, ele quebrou os três jarros gigantescos, colocou o entulho num carrinho de mão e despejou diante da residência.

No terceiro carrinho de entulho que estava descarregando no mesmo local, foi abordado por um hippie trajando um surrado macacão Lee:

– Escuta aqui, bicho, não me leve a mal, mas eu posso levar essas plantas para fazer um chá?… – indagou o sujeito, apontando para uma espécie de erva daninha misturada com terra preta, oriunda dos gigantescos jarros quebrados.

Nego Walter deu de ombros. O hippie abriu os dez bolsos do macacão Lee e começou a enchê-los com o mato.

Por volta do meio dia, com o serviço já pela metade, o adolescente Zé Miguel entrou em casa, vindo da escola, e foi direto ao quintal, sem sequer tirar a farda do colégio. 
Ele mal cumprimentou Nego Walter e já começou a andar pelo local, apreensivo, procurando alguma coisa.

Sem dizer nada, Zé Miguel foi embora e retornou, cinco minutos depois, acompanhado de sua irmã Patrícia e de um amigo da rua, Paulinho, filho do ex-prefeito Paulo Nery. 
Os três continuaram procurando alguma coisa no quintal, deixando o Nego Walter cada vez mais cabreiro.

Zé Miguel entrou em casa novamente, deu um telefonema e, dez minutos depois, chegaram seus primos, os gêmeos Paulo (aka “Barão”) e Carlos, filhos do também empresário Fernando Loureiro, irmão do Zecão. 
Os cinco adolescentes estavam agora beirando o desespero, enquanto continuavam na sua busca frenética, porém silenciosa.

– Porra, meu, cadê a nossa mina? Cadê a nossa mina? – gemia Paulo Barão, sem esconder o nervosismo.

Alheio a tudo e a todos, Nego Walter estava dando cabo do pé de abacateiro quando foi surpreendido por um rapaz bem-apessoado, de cabelo nos ombros, calça Lee desbotada, camisa Hang Ten e bota de vaqueiro.

Era outro primo de Zé Miguel, Fernando Loureiro Junior (aka “Peninha”), que foi direto na jugular:

– Porra, Pelé, onde foi que você escondeu os nossos pés de maconha?…

Nego Walter tomou um susto.

– Pés de maconha? Eu não conheço esse mato e nem sei do que o senhor está falando… – explicou.

– Êi, Pelé, deixa de onda! – reagiu Junior Peninha. – Eu sei que você também faz a cabeça, então não vem de papo furado pra cima de mim, que não cola. Aquela maconha era importada da Holanda, caralho, não era essa palha que tu aperta, não! Dizaê, porra, onde é que estão os nossos jarros com os pés de maconha? Porra, Pelé, não vem com sujeira pra cima de mim não, que tu vai se dar mal…

Foi um cu-de-boi pro Nego Walter explicar o sucedido. Ele realmente já fumara dirijo, mas nunca tinha visto a erva em seu estado natural. Contou o que havia feito.

Nem bem escutaram a história, os moleques saíram em disparada para o local onde ele havia despejado os entulhos, mas o hippie tinha sido mais rápido. Não havia nem sinal da erva maldita.

Nego Walter foi amaldiçoado pelos adolescentes até a quinta geração.

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