Por Luis Fernando Verissimo
De vez em quando as pessoas têm vontade de se inventariar. É natural. Acham que devem fazer uma recapitulação crítica da sua vida. Isso geralmente ocorre quando se chega a uma certa idade, pois a primeira condição para examinar o passado é ter um passado. A segunda condição é ter tempo.
Foi o que aconteceu com o Plínio quando se aposentou. Não tinha nada para fazer, e um dia se viu pensando nas suas namoradas. Todas as namoradas que tivera, desde a primeira. Quem fora a primeira? A Maria Augusta, claro. Nunca mais pensara na Maria Augusta. Foi uma lembrança tão forte que ele chegou a exclamar em voz alta:
– Gugu!
A mulher pensou: pronto. O Plinio ficou gagá. Só estava esperando se aposentar para ficar gagá. Senilidade instantânea. O Plinio não era de perder tempo.
Mas ele continuou:
– Que coisa. Como eu fui me esquecer?
– Quem?
– A minha primeira namorada. Maria Augusta. Gugu.
– A primeira?
– É. Nós tínhamos 12 anos. O primeiro beijo na boca. Ela que me deu. Namoramos escondidos. Uma vez combinamos que um ia sonhar com o outro. Seria um sonho só. Nos encontraríamos no sonho. Engraçado, as coisas que a gente começa a se lembrar…
– E sonharam?
– Hein? Não, claro que não. Mas mentimos que sim. O namoro durou um verão. Nunca mais soube dela. Depois veio a … a … Sulamita!
– Você namorou uma Sulamita?!
– Preciso fazer uma lista.
O Plínio saiu atrás de papel e caneta. Pronto, pensou a mulher. O Plínio encontrou uma ocupação.
– Então, vamos ver. Gugu, Sulamita…
– Que idade tinha essa Sulamita?
– Uns 14. Primeiro beijo de língua. Primeira mão no peito. Mas só por fora. Ela não queria fazer mais nada. Meu Deus, as negociações! As intermináveis negociações. Deixa. Não deixo. Pega aqui. Eu não. Só um pouquinho. Não. Você não me ama! Sexo, sexo mesmo, ou uma simulação razoável, foi só com a seguinte, que se chamava… Não. Antes do sexo teve um anjo. A Liselote. Loira, magra, alta. Pele de alabastro. O que é mesmo alabastro?
– Não sei, acho que é uma espécie de…
– Não importa. A pele da Liselote era de alabastro. Ela me disse que era um templo e que nenhum homem jamais a penetraria, e que só fazia uma exceção para o meu dedo porque eu a respeitava. E um dia mordeu a minha orelha de tirar sangue! As coisas que a gente se lembra… Liselote… Acabamos quando fizemos um pacto suicida mas eu levei tanto tempo para escrever o bilhete que ela achou que era má vontade. Anos depois nos encontramos e ela me disse que era psicóloga e tinha quatro filhos. Depois da Liselote, então, sexo animal!
– Como era o nome dela? Do sexo animal?
– Marina. Não, Regina. Cristina. Por aí. Fizemos de tudo, ou quase tudo. Foi a primeira namorada oficial, daquelas de ficar de mão dada na sala. Nossas famílias se conheciam. Durou quatro anos. Engraçado eu não me lembrar do nome dela. Me lembro de um sinalzinho na nádega, estou vendo ele agora, mas não me lembro do nome. Era para acabar em noivado, casamento assim que eu me formasse, o pai dela nos ajudaria… Mas um dia ela me viu descascando uma laranja e teve uma crise. Por alguma razão, o meu jeito de descascar uma laranja desencadeou uma crise. Ela disse que não podia se imaginar casada comigo, com alguém que descascava laranja daquele jeito. Foi um escândalo na família. Mandaram ela para a Europa, para ver se ela se recuperava e, na volta, noivasse comigo. Mas não teve jeito.
– Priscila.
– O quê?
– O nome dela é Priscila.
– Como você sabe?
– Você me apresentou, não lembra? Só não me contou a história da laranja.
– Nem sei se foi laranja. Alguma coisa que eu fazia que… Bom, Priscila. Depois dela, deixa ver… Mercedes. A boliviana. Colega na faculdade. Baixinha. Grandes seios. Vivia cantarolando. Não parava de cantarolar. Um dia eu reclamei e ela atirou um vaso na minha cabeça. Depois, depois…
– Não teve uma Isis?
– Isis! Claro. Eu falei da Isis pra você? Era corretora de móveis. Bem mais velha do que eu. Foi quem me ajudou a escolher um escritório, depois da formatura. Não chegou a ser namoro. Fizemos sexo em várias salas vazias da cidade, e ela nunca chegou a tirar o vestido. Não era bonita, mas tinha pernas longas, usava meias pretas e rosnava quando tinha um orgasmo. Rosnava. Era assustador. O negócio acabou quando eu encontrei o escritório que queria. Grande Isis… Olha aí, até que não foram muitas. Gugu, Sulamita, Liselote, Priscila, Mercedes a boliviana… Ah, teve uma, eu já contei? Uma que fazia voz de criancinha quando a gente estava na cama. Falava como criança, me chamava de paizinho, toda melosa, já pensou o ridículo? Como era o nome dela?
– Era eu, Plínio.
– O quê? Não. O que é isso?
– Era eu.
– Não era não. Que absurdo. Nós, inclusive, não transamos antes de casar.
– Transamos, namoramos, e eu falava como criancinha porque você pedia.
– Era outra pessoa.
– Era eu, Plínio. Bota o meu nome na sua lista.
– Não. Nem sei por que eu comecei esta bobagem…
– E quer saber de uma coisa? Não é o seu modo de descascar laranja, Plínio. É o seu modo de chupar laranja. A Priscila tinha razão. A Priscila tinha razão!
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