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terça-feira, dezembro 24, 2019

O inigualável Pagode do Chibata



Março de 1986. Cada vez mais disposto a emular os bicheiros cariocas, Ivan Chibata resolveu montar um grupo de pagode.

Ele contratou o violonista Chiquinho da Baiana, um veterano frequentador do Bar Academia do Galo, no Boulevard Amazonas, conhecido reduto de chorões, pagodeiros e sambistas da cidade, para ser seu acompanhante em tempo integral.

Exímio instrumentista, Chiquinho da Baiana tinha quase 70 anos e estava na cara que não teria pique para acompanhar um bicheiro movido a glucoenergan na veia.

Mas ele topou, talvez porque estivesse precisando de um “agrado”.

Ivan Chibata comprou os demais instrumentos – atabaque, tantã, pandeiro, cavaquinho, banjo, agogô, frigideira, cuíca, tamborim – e, em companhia de Chiquinho da Baiana, começou a circular pelos botecos.

No início eram apenas eles dois (Ivan tocava um atabaque razoável e era metido a cantor), mas se algum presente quisesse participar da roda de pagode bastava pegar um dos instrumentos no porta-malas do carro e começar a brincar.

O Pagode do Chibata começava, invariavelmente, com uma música do João Nogueira: “Clara, / Abre o pano do passado, / Tira a preta do cerrado / Põe rei congo no congá / Anda / Canta um samba verdadeiro, / Faz o que mandou o mineiro / Ô mineira / Samba que samba no bole que bole / Ôi morena do balaio mole / Se embala do som dos tantãs / Quebra no balacochê do cavaco / E rebola no balacobaco / Se embola dos balagandãs / Mexe no meio que eu sambo do lado / Vem naquele bamboleado / Que eu também sou bam, bam, bam / Vai cai no samba cai / E o samba vai até de manhã / Vai cai no samba cai / E o samba vai até de manhã / Ô saravá mineira guerreira / Que é filha de Ogum com Iansã”.

Além de João Nogueira, o repertório tinha Jorge Aragão, Luiz Carlos da Vila, Almir Guineto, Candeia, Monarco, Dona Ivone Lara, Walter Alfaiate, Martinho da Vila, Fundo de Quintal e por aí afora.

O circuito dos bares era bem conhecido.

Ivan começava no Bar do Aristides, por volta das 16h de sábado.

Depois de três horas de agito, ele recolhia os instrumentos e o violonista e ia pro Bar da Alzira, depois pro Bar da Dolores, depois pro Bar da Loura, depois pro Bar do Russo, depois pro Bar do Camaleão, e só parava a cantoria quando o dia estivesse amanhecendo.

O dia de segunda-feira, bem entendido.

O bicheiro também tinha outras bossas.

Era comum, no meio da roda de pagode, Ivan Chibata pedir um tempo e anunciar:

– Agora o meu atabaque vai soar igual caixinha de guerra!

Aí, retirava do pescoço um cordão de ouro de dois dedos de grossura, colocava em cima do couro do atabaque, e começava a bater nas laterais do instrumento.

O som do pesado cordão sobre o couro do atabaque imitava realmente o som de uma caixinha de guerra.

O mulherio que assistia essa presepada só faltava ter orgasmo.

Para entrar no carro do Ivan Chibata e acompanhar o bicheiro exibicionista e podre de rico pelo resto da noite era conta de multiplicar.

Uma madrugada, quando já estava no Bar do Camaleão, Ivan Chibata percebeu que o diamante de 25 quilates de seu imponente anel de ouro havia caído. Só restava o buraco da pedra no anel.

Ele recolheu os instrumentos e, junto com os acompanhantes, empreendeu uma verdadeira via sacra pelos bares aonde já havia tocado antes.

Era hilariante ver aquele monte de gente agachado entre as mesas procurando pelo diamante fujão. A pedra foi recuperada no Bar do Aristides.

O sujeito que encontrou o diamante foi agraciado na mesma hora com R$ 5 mil em espécie.

Segundo Ivan Chibata, a recompensa equivalia a 1% do valor real do brinquedo. Era um exagerado.

No sexto mês de existência do inigualável Pagode do Chibata, o violonista Chiquinho da Baiana já havia se transformado em um verdadeiro zumbi.

Ele aproveitava cada intervalo musical para tirar um cochilo, o que deixava o bicheiro puto da vida.

– Vamos trabalhar, meu compadre, vamos trabalhar! – berrava Ivan Chibata, vibrando o atabaque com violência. – A gente ainda tem mais três apresentações pra fazer. Se o senhor continuar dormindo desse jeito não vai receber um tostão...

Chiquinho da Baiana despertava assustado, se recompunha e recomeçava a dedilhar o violão de sete cordas.

Três meses depois, o violonista pediu arrego:

– Olhe, seu Ivan, eu gosto muito do senhor e preciso muito desse emprego, mas não tenho mais saúde para ficar tocando 36 horas seguidas, só se alimentando de cerveja Brahma, cigarro Carlton e isca de queijo coalho2...

A revelação foi um choque. Até então Ivan Chibata não sabia que as pessoas precisavam ingerir carboidratos, gorduras e proteínas para não morrer de fome.

O Pagode do Chibata acabou na mesma hora.

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