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segunda-feira, dezembro 23, 2019

Ivan Chibata e a fissura do Dino Sarará



Julho de 1984. O violonista Dino Sarará estava acompanhando o bicheiro Ivan Chibata em mais uma maratona etílica pelos bares da cidade.

Tocando há 12 horas sem parar, seus dedos já estavam começando a minar sangue.

Assim que Dino Sarará encerrou a canção “O Mundo É Um Moinho”, do Cartola (Ivan Chibata no vocal, claro), ele descansou o violão no colo e, olhando sério para o bicheiro, avisou:

– Chefia, eu só vou continuar tocando aqui contigo depois que fumar um charo! Eu tô fissurado por um charo! E se a fissura não passar, eu não acerto tocar uma nota! Se você não fizer uma presença, eu vou embora pra casa agora mesmo! Sem dirijo, eu não toco!

Ivan Chibata não se aperreou. Chamou Vladimir Brother, seu secretário informal, lhe entregou a chave do carro, uma pacoteira de dinheiro e cantou a pedra:

– Vai numa boca de fumo e compra cinco charos pra esse vagabundo!

Brother voltou meia hora depois, de mãos abanando.

Estava faltando maconha na cidade por causa de uma blitz devastadora feita pela Polícia Civil no início da semana.

Metade dos traficantes estava presa, a outra metade tinha fugido pro interior.

Não havia jererê nas bocas de fumo nem pra fazer remédio pra asma.

Ivan Chibata não se aperreou. Pegou a chave do carro, colocou o violonista dentro do veículo e se mandou para a Delegacia de Polícia Civil (1ª DP), que funcionava nas imediações do Restaurante Gato Preto, na Cachoeirinha.

Lá chegando, ele foi conversar com o delegado plantonista, que estava lendo um livro da Agatha Christie:

– Meu querido, esse rapaz aqui é o meu violonista, o Dino Sarará, um músico da melhor qualidade! – explicou o bicheiro ao delegado. – Ocorre que esse cidadão, coitado, é dependente químico e está passando por uma crise de abstinência porque vocês apreenderam toda a maconha da cidade. Ele está tão fissurado, coitado, que pode sofrer um piripaque a qualquer momento e bater as botas. Será que vocês não podiam quebrar o galho dele?...

Sem se levantar da mesa, o delegado chamou um policial:

– Ô Zé Elias! Vai lá dentro, pega um daqueles pacotes de maconha que a gente confiscou ontem na Rua 13 da Colônia e entrega aqui pro Ivan!

Dito isso, voltou a se concentrar na leitura do livro.

Ivan Chibata recebeu o pacote de 5 kg de maconha prensada do tipo “manga rosa” legítima, importada do Maranhão, agradeceu rapidamente, colocou o violonista no carro e os dois voltaram para o bar.

A pacoteira foi colocada em cima da mesa.

O bicheiro tirou da cintura seu Colt 44 com cabo de madrepérola e colocou ao lado da pacoteira.

Aí, em tom paternal, ele deu uma nova dica pro violonista:

– Dino, meu filho, você pode fumar quantos charos quiser, que a firma aguenta! Eu sei que você vai ficar muito doido, vai errar o andamento das músicas, vai esquecer as harmonias, vai fazer merda pra caralho, mas eu não estou nem aí. A única coisa que você não pode fazer, meu filho, é se levantar da mesa e ir embora. Você está sendo pago pra me acompanhar, entendeu?...

Nervosíssimo, o violonista assentiu com a cabeça, pediu licença e começou a enrolar um baseado.

Passou 72 horas seguidas tocando para o bicheiro pelos botecos da cidade, completamente alucinado.

O Ivan Chibata era aloprado!

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