Tibica e Oliveira comandando o embalo. Atrás, Sidão Ribeiro
e Zeca Boy,
com a barba de tinta luminol
Fevereiro de 1981. Minha
irmã Simone Pessoa havia aproveitado uma viagem ao Rio de Janeiro e comprado
uma ala inteira de fantasias (60 kits) no badalado Saara, meca dos
carnavalescos cariocas, que seria utilizada no desfile do bloco Andanças de
Ciganos daquele ano.
Os kits, entretanto, só
chegaram em Manaus uma semana antes do desfile. Não daria mais tempo de vender
as fantasias aos brincantes.
Para não ficar no
prejuízo, ela me revendeu a ala inteira pelo preço de custo (em valores de
hoje, talvez R$ 600), com a recomendação expressa de que fosse a última ala a
desfilar.
Os kits eram unissex:
calça de cetim vermelha, abadá de cetim vermelho com um signo zodiacal prateado
no meio do peito e bandana amarela.
Comecei a convidar um
monte de gente para desfilar na ala, recebendo, em troca, a fantasia de graça.
Nenhuma mulher topou a oferta.
No dia do desfile, 60
machos fantasiados de diabo (vermelho da cabeça aos pés) estavam batendo ponto
no Top Bar para fazer o pré-aquecimento à base de manguaça.
Um ônibus com
ar-condicionado foi colocado à nossa disposição.
Por volta das 19h,
embarcamos no ônibus para se dirigir ao local do desfile, que na época era
realizado na Av. João Alfredo (atual Djalma Batista).
O ônibus ainda não havia
chegado ao Grupo Escolar Carvalho Leal quando Enedino Major, meu companheiro de
batente na Philco da Amazônia, se levantou de um dos últimos bancos, se dirigiu
ao motorista e mandou um papo reto:
– Motora, desliga o ar
condicionado e abre as janelas do busão que a jiripoca vai piar!
Dito isso, ele puxou do
bolso um “constelation” (um charo de 20 cm de comprimento por 5 cm de
diâmetro), acendeu, deu uma puxada de responsa e cantou a pedra:
– Vamos iniciar a nossa
sessão de descarrego para fazer um grande desfile! Isso aqui é coisa boa,
moçada! Veio diretamente da ilha de Alcântara, no Maranhão! Cada um dá um
pauzinho e passa pro companheiro do lado, que tem pra todo mundo!
Aí, esticou o charo para
Ailton Santa Fé. Ele deu um pau e passou pro Tibica. Tibica deu um pau e passou
pro Oliveira. Oliveira deu um pau e passou pro Luiz Lobão. Luiz Lobão deu um
pau e passou para o Zeca Boy, etc, etc.
Em dez minutos, o charo já
havia dado a sua primeira volta olímpica dentro do ônibus.
Simão Pessoa e Enedino Major indo para o Festival de Parintins, no ano
passado
A bola voltou pro Enedino.
Ele deu um pau e passou pro Ailton Santa Fé, que passou pro Tibica, que passou
pro Oliveira, etc, etc.
Quem recusou a oferta
polidamente (eu e mais meia dúzia de brincantes) viajou na maresia, já que o
nevoeiro de diamba envolvia completamente o interior do veículo.
Quando o ônibus estacionou
nas proximidades do Cemitério São João Batista, todo mundo já estava alucinado.
Não há registro nos anais
da história do bloco Andanças de Ciganos de que tenha existido alguma ala mais
animada do que aquela.
Os diabos maconhados (ou
os “maconheiros endiabrados”) pintararam, bordaram, cerziram e chulearam na
Avenida João Alfredo.
As coreografias inventadas
na hora eram de tirar o fôlego.
Foi a única ala da escola
a receber nota dez de todos os jurados.
Os diretores do bloco
foram nos agradecer pessoalmente, mas a gente não conseguia parar de rir.
Constelation maranhense é
pedra de responsa, zifio!
Aliás, nós só não
conquistamos o hexacampeonato naquele ano porque o Antônio Carriço, presidente
do bloco Sem Compromisso, levou para a avenida uma escola de samba disfarçada
de bloco.
Bloco, como o próprio nome
diz, é uma porção de brincantes fantasiada com roupas mais ou menos parecidas.
Era desse jeito que estava
o Andanças de Ciganos na sua homenagem a Vinicius de Moraes.
O bloco Sem Compromisso,
que estava homenageando o dramaturgo infantil Vovô Branco, tinha comissão de
frente, mestre-sala, porta-bandeira e 15 alas, cada qual mais colorida, luxuosa
e diferente do que a outra (personagens do Walt Disney em uma ala, personagens
do Sítio do Pica-Pau Amarelo em outra, personagens do Hanna-Barbera numa
terceira e assim por diante).
Eles obtiveram 98 pontos
de 100 possíveis, conquistando o seu primeiro título, enquanto nós ficamos em
segundo lugar com 83 pontos.
Mas se dependesse do diabo
do jererê, a gente tinha colocado a mão na taça mais uma vez. Evoé, Momo!
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