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sexta-feira, dezembro 20, 2019

Eu, Luluca e Monga, a mulher gorila



Marlon, Petroba, Luluca, Sadok, Afonso, Ricardão, Edlúcio, Antídio e Sici

Setembro de 1972. Uma atração circense estava tirando o sono dos adolescentes da Cachoeirinha. Intitulada “Monga, a mulher gorila”, o quadro apavorante estava sendo exibido em uma pequena barraca montada na Avenida Eduardo Ribeiro, nas proximidades do Cine Odeon.

Uma tarde, eu e Luiz Carlos, o “Luluca”, criamos coragem e fomos conferir a presepada.

Havia uma fila imensa diante da barraca, onde um homem de paletó xadrez e camisa roxa gritava a pleno pulmões, procurando atrair os curiosos, sobre a ferocidade do animal.

Ao seu lado, uma bonita morena, de coxas grossas, lábios vermelhos, cabelos longos e negros, clichê da sensualidade. Verdadeiro tesão.

Por que será que o medo atrai tanto?

Pagamos o ingresso, nos enfiamos na fila e nos preparamos mentalmente para sofrer um choque.

A Monga era o maior sucesso da época.

Ela antecipou os filmes de horror de Jason, do Freddie Krueger, do Brian de Palma, da longa série de dráculas e vampiros que povoaram o cinema no começo dos anos 80.

Ao entrarmos, escuridão total. Uma luz débil, amarelada, mostrava a morena sensual da entrada, fazendo pose de inocente e desamparada.

Súbito, a luz tremia, piscava, ouviam-se trovões. Música de órgão, música agressiva, a luz caía outra vez, uma grade surgia com estrondo, fechava o palco.

Nesse momento, tudo se tornava nebuloso, imagens indistintas. Como se estivesse passando um filme desfocado.

Algo semelhante a uma penugem cobria o corpo da linda morena que, nessa altura, imitava, com a boca e os olhos, esgares de pavor.

Um arrepio corria a plateia, composta por velhos, crianças, colegiais, casais de namorados ou garotões metidos a macho, como nós dois.

Era também um modo de se tirar uma “casquinha” (gíria da época) das gurias.

Ficávamos estrategicamente por perto de alguma menina, porque na hora agá elas se agarravam no primeiro macho que estivesse à mão.

A penugem sobre a morena ia aumentando. Nessa altura, não se enxergava quase nada porque a luz era bastante baixa.

Um estrondo, relâmpagos, luz total e eis, por trás das grades, a temível Monga, a mulher gorila.


Ao contrário da dócil morena, Monga era a fúria em pessoa.

Agarrava-se às grades, pulava, rugia, esturrava, mugia, estrebuchava, dava saltos acrobáticos.

As pessoas riam nervosamente. Até que, de repente, a Monga arrebentava as grades e avançava em cima do público.

Boa parte da plateia saía correndo pela porta de saída.

O sujeito de paletó xadrez e camisa roxa fingia um nervosismo calculado:

– Calma, meu gorila!... Calma, meu gorila!...

Depois de mais um acesso de fúria, Monga se recolhia lentamente de volta ao palco. O sujeito de paletó xadrez e camisa roxa trancava a grade.

A iluminação baixava, a penugem começava a desaparecer e, de repente, em meio a trovões e relâmpagos, eis a morena de volta.

Ela abria a grade e, sendo segura pela mão do sujeito de paletó xadrez e camisa roxa, se dirigia até a plateia onde agradecia os aplausos. O espetáculo estava acabado.

Assistimos ao mesmo show umas quatro vezes seguidas. A gente saía e ficava se perguntando como o truque era feito.

Diziam que eram espelhos, mas como? Nunca se descobriu de que modo a transformação se dava.

Mas não vamos ser pentelhos! Tem maior chato do que aquele que descobre o truque do mágico?

A mágica não está em não descobrir o truque, a jogada, o lance de dados?

Em ser ludibriado e se divertir, porque houve prazer, tensão, nervosismo, se desfrutou e foi bom demais?...

Anos mais tarde, já presidente do GRES Andanças de Ciganos, Luluca costumava encerrar os previsíveis bate-boca entre os diretores de ala durante a avaliação do desfile da escola recitando um mantra inesquecível:

– Calma, meu gorila!... Calma, meu gorila!...

Quem tivesse assistido ao espetáculo da Monga, obviamente, se esbaldava de rir.

O bem-humorado Luluca morreu precocemente nos anos 90, vítima de infarto.

Tenho (temos) saudade.

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