Simão Pessoa, Ailton Santa Fé e Ricardo Pinheiro
Setembro de 1976. O nosso
imbatível time Murrinhas do Egito vai estrear no campeonato do Penarol
enfrentando o Ferroviário, de Petrópolis, e trazendo escondido na manga um reforço
de respeito: o cabuloso centroavante Ailton Santa Fé, um crioulo baiano de 1,85
cm de altura, 80 kg bem distribuídos no seu corpo malhado, sorriso de moleque
no rosto e jeitão de artilheiro consagrado.
Depois de equipado, Ailton
Santa Fé, ainda na parte externa do campo, começa a mostrar suas habilidades
com uma bola no pé: faz duzentas embaixadinhas com a perna esquerda, depois
duzentas com a perna direita, cinquenta com a coxa esquerda, cinquenta com a
coxa direita, cem com a cabeça e cento e cinquenta com os ombros, passando a
bola de um para o outro.
Fica todo mundo
impressionado. Os zagueiros do Ferroviário encarregados de marcar o negão
começam a ficar nervosos.
O nosso time entra em
campo e começa a bater bola, antes do início da partida, numa espécie de
aquecimento.
Ailton Santa Fé levanta a
bola com estilo, faz meia dúzia de embaixadas e, ali na intermediária, dá um
chute de folha seca, em direção ao nosso gol. A bola entra na gaveta,
indefensável.
O goleiro Walter Doido,
que não era disso, aplaude o gol de placa.
O lateral-direito Carlito
Bezerra vai até as proximidades do escanteio e mete uma bola pelo alto, no
estilo chuveirinho.
Ailton Santa Fé dá um
salto felino, domina no peito e, sem deixar a bola cair, chuta de pé trocado,
numa cópia perfeita daquele gol do Pelé contra a seleção tcheca na Copa de 70.
A bola entra no ângulo.
O goleiro Walter Doido
aplaude de novo.
Os zagueiros do
Ferroviário, que estavam acompanhando a presepada do outro lado do campo,
começam a se sentir desmoralizados antes mesmo de o jogo começar. Com aquele
negão em campo, vai ocorrer um massacre.
O juiz chama os dois times
para o grande círculo. A partida começa.
Com cinco minutos de jogo,
o armador Marco Aurélio dribla dois zagueiros e toca rasteiro para Santa Fé na
altura da meia-lua.
Estiloso no balde, Santa
Fé tenta colocar a bola de curva na gaveta, mas a bola inexplicavelmente passa
por cima de seu pé direito. O negão chuta o vazio, se desequilibra e cai no
chão de cu trancado.
A bola sobra para um
zagueiro adversário, que despacha a pelota com um chutão para o meio de campo.
O negão se levanta
elegantemente e dá pequenos chutes de bico no chão como se quisesse culpar o
campo esburacado pelo acidente.
Cinco minutos depois, o
ponta-esquerda Bobô dribla o lateral-direito, avança pela linha de fundo e toca
para trás.
Santa Fé, que vinha numa
correria medonha para meter um chute de três dedos, pisa em cima da bola e cai
estrepitosamente no chão. Esfola os joelhos e os cotovelos.
O nosso capitão de equipe,
Almir Português, começa a ficar cabreiro.
Dez minutos depois, o
ponta de lança Luiz Lobão arranca pela direita, ganha na corrida do
quarto-zagueiro, o goleiro sai em sua direção, ele fica sem ângulo e toca para
trás, buscando o centroavante, com o gol escancarado.
O centroavante Santa Fé,
que vinha correndo feito um velocista jamaicano acompanhando a jogada, passa
pela linha da bola e tromba violentamente com o goleiro. Falta contra o nosso
time.
Almir Português não pensou
duas vezes. Foi na beira do gramado e gritou para o técnico (eu,
evidentemente):
– Porra, meu irmão, tira
esse negão e coloca o Kepelé. Ele não é jogador de futebol, é malabarista de
circo…
Fiz o que o capitão de
equipe havia solicitado.
O endiabrado Kepelé entrou
em campo, fez quatro gols e o Ferroviário tomou uma sonora goleada de 7 a zero.
Nunca mais Ailton Santa Fé
entrou em campo para jogar pelo Murrinhas do Egito. Mas continuou se equipando
e fazendo seus malabarismos com a bola no pé na beira do campo.
Era uma maneira de a gente
desmoralizar psicologicamente os zagueiros adversários.
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