Pesquisar este blog

quinta-feira, dezembro 12, 2019

Jogando bola no ritmo da Jovem Guarda



Dona Francisca, Nonato Índio, Marcos Pombão, Áureo Petita, Airton Caju, 
Luiz Lobão, Paulo César Dó, Medeirinho e Chico Porrada

Fevereiro de 1968. Por sugestão do João Bosco, filho mais velho do seu Aristides Rodrigues, a garotada das ruas Parintins e Borba montou o Sancolzinho (o time infanto-juvenil do Sancol, que depois se transformaria no imbatível Murrinhas do Egito), utilizando o furreca equipamento original do Santos.

O time base do Sancolzinho era formado por Mário Adolfo (goleiro), Sici Pirangy (lateral direito), Arizinho (central), Airton Caju (quarto zagueiro), Gilmar Velhote (lateral esquerdo), Betinho (volante), Áureo Petita (meia armador), Heraldo Cacau (ponta direita), Luiz Lobão (ponta de lança), Kepelé (centroavante) e Simão Pessoa (ponta esquerda).

Na reserva, ficavam os zagueiros Cumbuca, Zequinha, Becão, Sidão Ribeiro, Fernando Linguinha, Nonato Índio e Chico Porrada e os atacantes Gilson Cabocão (que também jogava de zagueiro), Renner, Marcos Pombão, Paulo César Dó e Fábio Costa. O polivalente Kepelé era o substituto natural do goleiro Mário Adolfo.

Nesse mês, tendo como técnico o gente-fina Popó, o Sancolzinho vai fazer sua estreia nos gramados enfrentando o indigesto time infanto-juvenil do Juventus, de Petrópolis, no campo do Raiz Esporte Clube (hoje, no local, está o Conjunto Solimões, na Rua Tefé).

O campo do Raiz media 100 x 80 metros, ou seja, para moleques recém-entrados na adolescência era simplesmente gigantesco.

O piso era de barro, revestido por uma finíssima camada de areia, e ficava encravado em meio a um bosque repleto de árvores frutíferas. Quero crer que era um dos melhores campos de futebol da época.

No nosso time, o mais velho é o franzino goleiro Mário Adolfo (14 anos). No time adversário, o mais novo é o musculoso Jorge Kelebreu (16 anos).

Anuncia-se um massacre, não pela qualidade técnica do Juventus, mas porque seus atletas são uns verdadeiros galalaus – a maioria deles já fazendo o serviço militar.

Além disso, eles jogam armados de chuteiras de couro com solado e travas de borracha (as famosas chuteiras “Olé”) enquanto a maioria do nosso time joga descalço ou de tênis Conga, que tem o solado liso, sem travões.

Com dez minutos de jogo, o nosso habilidoso ponta de lança Luiz Lobão (13 anos) já foi vítima de três tentativas de homicídio praticadas pelo famigerado zagueiro Mucurinha (18 anos, um menor infrator provavelmente egresso da penitenciária).

As canelas do nosso ponta de lança estão minando sangue.

Enquanto Luiz Lobão recebe os primeiros socorros, Mucurinha ainda tem o desplante de ficar roçando a chuteira numa pedra de amolar faca, para que os pregos dos travões fiquem mais expostos e afiados.

Na base do “chuta pro mato que o jogo é de campeonato”, a gente consegue sustentar um heroico zero a zero no primeiro tempo.

No intervalo, dando pedaços de gelo para os atletas, o técnico Popó limita-se a pedir calma:

– Não vamos entrar no jogo deles e aceitar provocação! Vamos fazer o que a gente sabe: tocar de primeira e sair jogando, tocar de primeira e sair jogando!...

No segundo tempo, a pedreira continua. O time deles nos caçando em campo e a gente se livrando dos coices milagrosamente.

Quase no final da partida, Áureo Petita (13 anos) enrola as duas pontas do calção até aquilo se transformar em uma espécie de tanga – era um tique que ele tinha sempre que ficava nervoso, talvez uma evocação inconsciente aos poderes de Tarzan, o homem-macaco – e resolve estragar a festa: dribla um, dois, três, quatro sujeitos, dá um corta-luz no goleiro, e entra com bola e tudo. Sancolzinho 1 a 0. Os caras se aborreceram de vez.

Nos cinco minutos derradeiros, eles foram com tudo – torcedores inclusos – pra cima do nosso time, mas Mário Adolfo, com uma série de defesas milagrosas, garantiu o placar.

Mal o juiz encerrou a partida, eles já estavam exigindo uma revanche.

E pra mostrar que continuavam “muy amigos” resolveram só nos deixar sair de campo depois que cantássemos em uníssono um velho sucesso da Jovem Guarda, na voz de Leno: “Eu tenho febre, de carinho, / Febre desse teu amor. / Febre meu benzinho, / Pois você me dá calor”.

O acompanhamento musical era na base do pescoção – dados por eles na gente, evidentemente.

O técnico Popó limitava-se a pedir calma:

– Não vamos entrar no jogo deles e aceitar provocação! Vamos fazer o que a gente sabe: cantar direitinho e ir embora sem olhar pra trás, cantar direitinho e ir embora sem olhar pra trás...

Não deu outra. Sem parar de cantar a música do Leno e recebendo seguidos pescoções de umas 20 pessoas, o nosso time foi comboiado pelo time do Juventus até o igarapé da Cachoeirinha, onde, finalmente, nos deixaram em paz – até porque eles não eram bestas de nos enfrentar em nosso próprio território.

De qualquer forma, aquela saída de campo foi um verdadeiro vexame e até hoje ninguém sabe por que que aqueles filhos da puta gostavam tanto daquela música do Leno.

Nenhum comentário: